—Agora pode me contar sobre seu dia, e ninguém vai interromper, eu espero.—ele ri, e volta ao assunto.
—Você disse tudo aquela hora, foi chato pra caralho e nada mais.—sorrio.
—Era o que lá?.—ele pergunta.
—Um almoço do trabalho do meu pai.
—E você ainda vai nessas coisas? Que fofa, quantos anos você tem?.—ele ri debochando.
—22, e sim eu sou obrigada a ir, eles competem pra ver quem tem a família mais bem sucedida, mas no fundo mesmo é tudo uma podridão. Então é o dia todo assim "olha aquela ali é minha esposa, que tem nem 1 terço da minha idade, é loiraça, gostosa e passa o dia fazendo pilates e compras"—imito a voz do meu pai.
—Sua vida é um filme clichê americano então?.— ele ri debochando.
—De terror né, "Esse é meu sucessor, trabalha comigo desde que fez 18 acredita? Aquela ali é minha filha, tá terminando o curso de medicina, e aquele pequenininho ali é meu caçulinha e mimimi"—sigo imitando.
—Medicina? Então vamos ter uma futura médica?.—ele pergunta.
—Eh, mas me conta da sua vida, parece ser bem mais interessante.—tento mudar de assunto.
—Mais interessante?Sua vida é literalmente um filme americano clichê. Não tem nada de tão empolgante na minha, nunca tive uma vida financeira fácil, nascido e criado na zona oeste, já vendi amendoim no trem, já trabalhei numa loja, comecei o curso de direito, e mais mil coisas, mas atualmente tô trabalhando de entregador e tô morando ali no ppg com o rd e tamo tentando viver de música e é isso.—ele sobe os ombros.
—Caralho, admiro muito essa luta, e com certeza vai dar certo, vocês são muito bons, e eu duvido que seja "só isso", você parece ter muitaaaaa história pra contar.—dou um empurrãozinho nele com o ombro.
—Eu até tenho, mas a gente tem coisas mais legais pra fazer agora, topa ir ali comigo?.— ele pergunta animado.
—Topo.—digo olhando no relógio que marcam 19:25.Ele vai andando em direção ao estacionamento e vejo ela, meu terror, a moto.
—Pega.—ele estende o capacete e eu pego da mão dele, colocando o mesmo.
—Já sabe né? Segura firma.—ele ri subindo na moto.Subo atrás e envolvo meus braços no abdômen dele, ele da a partida e o sentimento de ontem à noite volta à tona, uma mistura de muito medo com uma adrenalina incrível.
Depois de um tempo, chegamos em um estacionamento, escuro, sem nenhum carro, e é aí o momento que eu penso que ele pode ser facilmente um psicopata e eu vim parar em um estacionamento vazio e escuro com ele.—Não é meio perigoso a gente ficar aqui sozinho?.— digo descendo da moto.
—Relaxa, tá comigo tá com Deus.— ele puxa minha mão e ri.
—Já pulou um portão alguma vez na sua vida?.— ele pergunta olhando pra uma grade na nossa frente.
—Não? Isso não é tipo invasão?.—franzo a festa.
—Apoia o pé aqui na minha perna, o outro coloca ali, pega impulso e vai.—ele continua me ensinando, ignorando completamente o que eu tinha falado.
—Tipo a gente pode ser preso né?.—digo apoiando meu pé na perna dele e pegando impulso para passar para o outro lado.
—Sim, mas só se a gente for pego.—ele diz rindo enquanto pula o portão.
—Isso é um parque, a gente não vai ser preso por invadir um parque.—ele debocha e segue falando.—Aqui não é muito conhecido, mas é lindo, sempre venho fazer umas trilhas por aqui, tem um mirante que dá pra ver boa parte do rio, e ali embaixo tem uma cachoeirinha também.—ele diz me puxando de mãos dadas.
—Cachoeira??.—pergunto.
—Sim, ela é bem pequenininha, mas é linda, água cristalina.—ele responde ainda me guiando.
—Muito longe?— digo me animando.
—Não, é ali embaixo, vamo.— apressamos o passo e em questão de uns 9 minutos chegamos.Ele se aproxima da água e se senta em uma pedra, observando a água.
—Que isso? Você é maluca?.— ele levanta assim que me vê de calcinha e sutiã.
—Me fez invadir um parque só pra ficar olhando?.—digo me aproximando e pulando na água.Ele nega com a cabeça e sorri, mas logo tira a blusa e se joga dentro da água.
—Caralhooo que água gelada da porra.—ele diz balançando a cabeça na tentativa de secar o cabelo.
—Frio vai tá é quando a gente sair daqui.— digo me aproximando batendo o queixo.
—Você tá arrepiada.—Ele diz passando as mãos nos meus braços e me puxando pra mais perto dele.Sinto a água gelada bater na minha costela e contrastar com o sentimento do meu corpo esquentar a cada centímetro que fico mais perto dele. Ele me abraça apoiando seu queixo no topo da minha cabeça, meus braços estão entrelaçados na sua cintura, e por mim eu não saía dali mais nunca.
Ele leva uma de suas mãos ao meu queixo, subindo meu rosto e assim voltamos para a noite anterior, onde poucos centímetros dividem nossas bocas, olho nos olhos dele e sinto ele dar um leve sorriso, sua outra mão está no cós da minha calcinha, sinto ele me puxar e finalmente nossos lábios se encontram, dando início a um beijo, ele é compatível, como se tivéssemos uma conexão de anos, quente porém calmo, ele se encaixa perfeitamente em todos os detalhes, ele mordisca meu lábio inferior e finaliza com um selinho.—Vou me secar com as suas roupas.—ele diz me dando uma rasteira por de baixo da água, me fazendo cair.
Ele sai correndo e sobe na pedra, eu subo de volta e passo a mão no rosto tirando a água, vou atrás dele correndo.
—Filha da puta.— digo rindo.
Pulamos até nos secar um pouco, e sentamos na pedra abraçadinhos, para nos aquecer.
—Que horas são? Já já tenho que voltar antes que me pai chegue em casa.—digo tremendo de frio.
—Por que ele é assim contigo? Mesmo você tendo 22 anos?.—ele me abraça mais forte tentando tirar meu frio.
—Porque ele é um egoista do caralho que só pensa nele, a preocupação dele não é nem comigo e sim com que impressão eu estou passando para as pessoas.—digo abaixando minha cabeça.
—E por que você não mora com outro parente? Ou aluga um apê?Vocês não são tipo super ricos?.—ele se questiona.
—Eu não tenho família, minha mãe faleceu logo quando eu nasci, nunca cheguei nem a ver o rosto dela, não sei o sobrenome, não sei se ela tinha família e nem se a família dela sabe que eu existo, meu pai que nem posso chamar de família é filho único, e meus avós são tão idiotas quanto ele. Minha única família é a Bela, por isso ando com ela pra todo canto.—levanto a cabeça explicando pra ele.
—Que? Como assim não sabe o sobrenome da sua mãe? Nem se ela tinha família? Nunca viu o rosto dela?.—ele fica tão surpreso que me solta do abraço que estávamos.—Desculpa, se pareceu insensível, mas é que...—eu interrompo o mesmo.
—Tudo bem, eu entendo a indignação.—sorrio.— ela e meu pai se conheceram no carnaval, ela era gringa pelo que eu sei, estava no rio pra passar férias, eles ficaram e ela descobriu que tava grávida e resolveu ficar aqui com meu pai durante a gravidez, pra depois resolver o que fazer. Ela era muito jovem, o parto teve complicações e ela faleceu, uns 3 meses depois nosso apartamento pegou fogo e dizendo meu pai perdemos todos os registros dela gravida, dos dois juntos, entre diversas coisas. Ele não gosta de falar sobre ela, então acabei crescendo sem saber absolutamente nada direito, e sem um amor materno, nem paterno pra falar bem a verdade né.—sinto ele me envolver com os braços em um abraço.
—Caralho a gente não faz ideia das coisas mesmo né, te julguei pra caralho ontem, o dinheiro não é tudo né, tem coisas que vão além...—ele encosta a cabeça na minha.
—Quando eu tinha 19 anos eu trabalhei como vendedora no shopping, mas não durou nem uma semana, meu pai descobriu e isso foi o fim lá em casa, fiquei tipo 1 mês ouvindo merda, então é meio foda sair de casa com meu próprio dinheiro, desde que eu passei a entender meu pai, eu me recuso a usar o dinheiro dele, só uso o básico pra viver lá mesmo, tipo casa, comida, higiene...—sorrio balançando a cabeça negativamente.
—Tá de sacanagem né? Teu pai te deu um esporro porque tu tava trabalhando?.—ele ri indignado.
—"A filha do senhor Enrico Duarte jamais poderia ser vista trabalhando em um shopping".—digo com a voz grossa fazendo graça.
—Porra nossa realidade é tão diferente que eu custo acreditar no que você tá dizendo.—ele ri.Escuto um barulho de passos e saio do abraço rapidamente olhando pra ele em pânico.
—Ouviu isso também?.—ele diz preocupado.
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Era uma vez // Xamã
Fanfic"Expulsa de casa porque não cumpria a regra Viu a Lua te falar Que o amor bem dado não se nega Era melô do camelô em Copacabana Que namorava uma bandida de Ipanema"