O cheiro mar em uma cidade costeira era de força incomparável. Se fosse para formar uma teoria, seria que era devido a estar próximo o bastante para não ser muito mais leve do que em um barco, mas os que vêm da cidade têm força o bastante para criar contraste e não acostumar do mesmo jeito, especialmente quando alternados entre espaço relativamente livres e as áreas fechadas de estudos.
Normalmente, recuperação de uma viagem longa levaria mais do que alguns dias, mesmo para um curandeiro, mas, conforme foi chegando ao local, sentia como lhe chamasse, pronto para o abraçar como uma mãe embalando o filho, e chegar e andar sobre a terra da ilha foi como imergir num pacífico mar à noite, eventualmente percebendo que conseguia respirar. Talvez fosse mera euforia, mas conseguira sentir nos batimentos cardíacos notáveis mesmo em repouso que não errara em assumir que era um bom lugar para recomeçar.
"Recomeçar".
Soava quase ridículo vindo de alguém que mal completara dezesseis, mas não sabia se havia palavra melhor.
A sensação em si passou depois do primeiro mês, mas a lembrança ficou e o incentivava.
Podia ser do elemento local, mas ainda era mago estrangeiro, então recebera alojamento junto a dezenove outros, que era pago com trabalho no local (os cobres acumulados com um dos dedos ter as funções comprometidas como custo se foram quase de vez só para chegar lá), e ainda assim conseguir fazer os estudos. Era cansativo, mas não aceitaria trocar por nada.
E, em outro final de turno, outra vez o comentário sobre gostarem de trinortinos para os laboratórios: é mais fácil transformar um limpador em doutor do que convencer um doutor que tem que limpar melhor. Ficou menos engraçado depois da oitava vez. E viria outro outro à noite. Final de tarde era momento de cuidado próprio.
A capa roxa escura foi pega na unidade - um dos alojamentos para estudantes e treineiros com um enviado aqui e ali, separados por idade, mas todos a mesma estrutura básica: um corredor com dez portas em cada lado, cada uma dando para um quarto estreito mal cabendo a cama e uma bolsa para roupa, mas, ei, já era muito mais do que poderiam ter esperado cada um ter o seu, em outro tempo teria que compartilhar até com casais casados - e pegou cada pano que precisasse de uma limpada antes de ir andando até o local com as tinas; se deixasse juntar muito seria pior quando precisasse.
Talvez justamente pela hora - entre horários - ou um pouco coincidência, o redor era uma visão de vários tipos de cabeças, das de quem parecia ter a pouco completado 15 às de quem parecia ter um caçula de 15, cores, formas, cabelos (ou ausência deles), magos e sem-manas. O único grupo excluído de querer melhoras por meio das cidadelas é o dos que não podia chegar no lugar.
A primeira coisa que foi posta na água foi sua capa, de um corte que entregava imediatamente como uma capa de aprendiz e roxo escuro que anunciava suas origens. Cuidava daquela coisa com carinho apesar da pressa, se tudo desse certo viraria um manto apropriado em um punhado de anos.
Sentiu uma batidinha no ombro esquerdo, e olhou para a direita, conseguindo um olhar de decepção da moçoila ao lado.
-- Dessa vez não? -- ela perguntou.
-- Fez vezes demais. -- respondeu lhe dando um sorrisinho em resposta.
Agatha deu de ombros e assumiu o lugar. A achava bonita, não um assombro como as heroínas de histórias, mas atraía o olhar quando notada. Tinha o cabelo longo na cor preta típica de Trinorth, e os olhos eram chamativos, ou ao menos os achava: roxos e com os cantos esticados - "olho de cobra", como alguns chamavam. Não parecia anêmica, mas tinha a pele bem clara - um baita contraste com sua própria, bem, bem escura. E, pro inferno modéstia desonesta, passava longe de ser feio - tinha bastante o que amadurecer, mas poxa, dezesseis, quem é particularmente atraente quando nem tem idade para entrar no exército?
A capa dela era do mesmo roxo escuro, e foi a primeira coisa que lhe atraiu a atenção - é curioso como, em uma terra estranha, qualquer mínimo senso de pertencimento comum se tornava um grande atrativo. A segunda foi durante um entre-períodos, quando alguns da unidade começaram a falar sobre suas origens e o que os levou a escolher aquele caminho - a última a o fazer, uma moçoila de cara de ingênua e olhar expressivo, só falou sobre a dela sob insistência e fazendo rodeios, como se se sentisse culpada por ter tido uma boa vida, e Agatha prontamente apontou que ela saiu daquele ninho seguro e lembrar que estavam conversando, não competindo. Após a terceira conversa privada ela praticamente o adotou.
O terceiro trinortino da unidade era um moçoilo de nome Volo, mas não tinha se aproximado dele ainda, e a quarta uma moçoila Cíntia. Os dois tinham o cabelo preto típico, e rostos tão similares que à primeira vista a maioria os confundia com irmãos. A única nacionalidade que superava trinortino era neanês por motivos óbvios. Com a quantidade de estrangeiros que não só vinham, mas deixavam "sementinhas" para trás, lhe admirava cada vez menos que na província natal fofoca sobre seu presente corresse tanto. Não que reclamasse, sem isso não estaria lá tão jovem.
É claro, haviam outros, uma variedade de cores diferentes, aguardando para serem secadas e presas com broches aos donos. Oliver e Agatha, no dia após se darem conta da coincidência e proximidade em tamanho (Agatha não era alta, Oliver era baixo), prometeram que algum dia brincariam com os outros trocando de broche. Ia ser lindo.
Ia demorar para vir, mas ia ser lindo. Ia exigir mais esforço do que qualquer outra coisa, mas sentia que seu futuro ia ser lindo.
Iria vir, e seria lindo.
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Tales Of Esterpe
FantasyMana: É a fonte de magia nesse mundo, e um assunto bem grande - ao longo de séculos passou a influenciar o clima em diferentes regiões. Na atualidade, sua influência é tão notável que a simples presença de magos poderosos no "coração" de uma região...