Trinorth

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Depois de um dia longo, poder deixar o corpo relaxar em uma banheira quente era uma benção. Teria que voltar aos estudos depois, mas ao menos os membros não estariam tão doloridos por estarem na mesma posição por muito tempo. Engraçado como funciona, quando uma criança pequena gostava de ir até a biblioteca - um lugar tão grande que era um edifício próprio em vez de parte do palácio principal, coberto parede a parede com livros - para enfiar o nariz em histórias, mas agora que ficava lá longos períodos por obrigação, preferia levar os livros que lia por prazer para sua câmara, porque ler naquele lugar, mesmo o seu favorito que lera centenas de vezes ao longo dos anos, dava a sensação de dever e trazia cansaço mental.  

Perse respirou fundo, passando com cuidado o sabão sobre o braço direito, rígido de tanto manter levantado sobre a mesa. A pele era clara por falta de sol, um tom âmbar amarronzado nunca indo embora completamente. Gostava dele, herdara do pai, lhe entristecia pensar que podia perdê-lo porque ficava muito tempo dentro dos edifícios, ainda mais considerando que a saúde do homem era a razão para sua rotina de estudos ser tão rígida para começo de conversa.

Tentando afastar os pensamentos, começou a lavar os cabelos. Pretos, como era comum em civis, como os de sua mãe eram. Muita gente gosta de apontar que uma criança se parece com o pai ou a mãe, Perse era uma perfeita mistura: o que não tinha um equivalente para vir do outro pai era um meio termo. Qualquer dúvida sobre ascendência era esclarecida só de olhar para ela. O sabão fazia os cortes de papel nos dedos arderem, mas fazia parte. Melhor sabão do que germes.

Ao terminar, pôs o vestido que fora separado antes de entrar e voltou para a biblioteca. Estaria livre depois do jantar, a questão era quando seria feito. Pensamentos sobre querer falar com as acompanhantes ou visitar o pai empurrados para o fundo da mente. Prioridades, Perse, e essa é a maior de todas.

Rios sempre a faziam morder o lápis, o que sempre fazia os tutores enrugarem os narizes mesmo sabendo que ela não ia se envenenar com o chumbo. Eram algo grande, especialmente os artificiais. Sim, eram em qualquer lugar, mas deuses regem piedade se não tivessem alguma que pudessem "desperdiçar".

Quem foi o primeiro louco que descobriu que calor de água fervente neutralizava a toxicidade que a terra dava ou porquê isso sequer acontecia quando geralmente a contraparte feita de mana é mais forte e existem vários venenos e peçonhas naturais que resistem a água fervente, talvez nunca soubesse, mas funcionava, e era uma conveniência semi acessível indispensável com a raridade de curandeiros e, especialmente, para as áreas fronteiriças. Províncias centrais são as principais política e economicamente, mas as fronteiras protegem de invasões e traficantes, seria estúpido ignorar.

Mesmo molhado, acabou prendendo o cabelo. Talvez fosse porque estava pensando em água fervente e seus usos, mas sentia que o lugar estava ficando quente.

Muito quente.

E...

O mentor da vez levantando abruptamente a forçou a fazer a conexão de uma vez.

-- Fumaça!

Sim, isso, e cheira a fumaça...

Fumaça!
Estava fazendo calor e cheirando a fumaça!

Aquilo soaria absurdo se falasse, mas não entrou de imediato no modo de medo, o que foi útil, pois se não tivesse notado e o segurado o velho teria caído.

Seria bom se soubessem a direção, e não estivessem no meio do edifício.

Era difícil dizer de onde calor ou cheiro vinham, ainda mais sem ver as fontes, mas sabia as saídas, então meio guiou meio arrastou o mentor para um corredor onde havia uma das saídas. Má escolha, fumaça apareceu, então fogo. A única opção foi correr, fogo em uma biblioteca!

Outro caminho para uma saída, outra linha de fogo. Droga.

Na terceira realmente afundou o perigo. A fumaça não seria um problema, ainda bem, mas hipertermia não era piada, e se alguma estante desabasse-

Sem tempo para isso! Checou com o mentor, que parecia mais perdido do que a si. Não muito longe, chamas escorreram como líquido e queimaram o piso. Perse sentiu sob os próprios pés.

Um parecia... não bom, mas "menos pior", e distância menor que as portas só as próprias paredes. Se...

-- O senhor confia em mim? -- perguntou, a primeira coisa que disse na situação que não era um asseguramento genérico.

-- Com a minha vida. -- o velho ofegante respondeu.

Perse assentiu e, pondo o braço que segurava sobre o próprio ombro para apoio extra, foi em linha reta com seu mana ativado. O lugar estava quente como um forno, o papel combustível que só perdia para líquidos, sentia a pele pedindo misericórdia, mas se recusou a fazer qualquer som que indicasse desconforto. A mão com cortes de papel tinha alguns pequenos sangramentos pelo novo abuso. Agradecida e reconhecendo a ironia, deixou o mana sair contra a parede antes de baterem. O ar quente enfraqueceu o efeito, mas a rocha sólida quebrou quando bateu, junto a pelo menos um quarto de metro de corpo.

Fora não era o bastante, e estava disposta a carregar seu mentor para mais longe por si só, não tivesse recebido ajuda quase no momento que o choque térmico a deixou tonta. Ouviu murmúrios, ou lhe soaram como murmúrios. Ficara dentro de um quase forno e teve que usar um feitiço forte de supetão. O impacto inteiro só cairia depois, e terem perdido a biblioteca só esfregaria sal nas feridas.

Por enquanto, ficaria na casa de repouso, e depois, medicada para as fraturas e ainda meio lidando com os sintomas de hipertermia, iria murmurar para quem ouvisse que viu fogo ir para baixo.

Tales Of EsterpeOnde histórias criam vida. Descubra agora