Domstria

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O ar parecia pesado com a umidade sem chuva, algumas porções de névoa se formando. A adolescente afastou algumas nuvens com um simples gesto de mão, só um travo na respiração entregando que sequer sentia a dor no anelar esquerdo.

A sensação de andar afastando névoa era estranhamente satisfatória, ver essas gotas de água minúsculas demais para simplesmente escorrerem mas grandes demais para subirem e virarem nuvens, e vush, se afastam como se ela as assustasse, abrindo espaço para o que parecia ser o meio do nada, mas seguia quase com memória muscular. 

Puxou o tecido do vestido mais perto, como se aquilo fosse torná-lo mais quente. Por baixo e nas poucas áreas que apareciam, a pele era quase branca como o vestido, algo que trouxe preocupações antes de ficar claro que era só como ela era; o cabelo era ondulado e castanho, mas num tom claro que dava surpreendente de pequeno contraste. A única coisa escura em si eram os olhos.

Em uma das áreas, uma árvore com o que pareciam serem simples iniciais talhadas que grupos de amantes deixaram um após o outro ao longo dos anos, mas Tatsura sabia melhor.
Olhando a raiz da árvore, achou um alçapão escondido em terra e um arbusto, que foi prontamente aberto e fechado depois que ela entrou.

Tatsura andou com cuidado pelo local mal iluminado, apenas algumas lâmpadas ligadas, apesar de várias estarem espalhadas. O ar vinha de outras saídas, escondidas para não serem óbvias e mantidas ativas por outros como ela. Em algum tempo ela se juntaria.

O começo não foi ruim, não sabendo as bifurcações certas, depois que a memória foi realmente posta a jogo e precisou se guiar por referências não tão óbvias - uma rachadura em forma de estrela, um rodapé com um pedaço de telha faltando, e assim ia, até o "primeiro abrigo".  Era formalmente considerado, mas vivia vazio, "casas" que eram buracos com portas que levava a ocos nas paredes, nenhum sinal de alguém viver por lá, porque na maior parte do tempo era assim - domstrianos não são de ferro, qualquer ameaça externa possivelmente significar extermínios de províncias inteiras significava que o melhor jeito de evitar que as regiões fronteiriças traíssem a coroa em nome da sobrevivência era oferecer uma saída para caso o momento chegasse, e lá estava: um conjunto de abrigos subterrâneos, quase impossíveis de explorar sem conhecimento prévio, os caminhos errados levando a lugares nada com nada ou mesmo perigosos. Mesmo pensando hipoteticamente e não sendo uma hipótese boa, Tatsura teve pena do infeliz que fosse parar no túnel com o rio desviado.

Mais túneis e viradas, e chegou ao seu objetivo, uma câmara onde vinha fluxo de água controlado, deixando uma área que tinha uma correnteza, porém muito mais leve, seguro para coletar mas permitindo voltar para o rio principal. Artificial também, uma das câmaras mais antigas. E, cuidando dela, supervisionando as paredes com olhos fechados e luvas pretas, uma figura de altura próxima à sua própria, morena de sol de cabelos avelã que conhecia tão bem.

-- Algum sinal de queda, meu senhor? -- perguntou Tatsura com tom de exagerada formalidade; o rapaz abriu os olhos imediatamente, e a feição iluminou mais do que as lâmpadas na água.

-- Sura! Achei que fosse meu chefe.

-- Algum sinal, raparigo?

O "raparigo" revirou os olhos sem reduzir o sorriso, e respondeu com a mesma falsa formalidade.

-- Falta uma parede, mas tudo parece bem por enquanto.

-- Então termine, que feito pelo meio é pior que não feito.

O rapaz passou mais algum tempo tocando as paredes e o chão, então contornou a água e pôs os braços em torno da cintura da moçoila.

-- Se sentindo ousada hoje?

-- Cada mês que passa eu perco a ansiedade.

Sura respondeu o abraço e enterrou o rosto no cabelo alheio, inalando o cheiro de terra molhada. Só pela fonte lhe era confortante. Ainda tinham alguns meses naquele joguinho besta - sim, besta, o que mais chamar aquela implicância? 21 e 19 não eram tão diferentes assim, mas de um algum modo pior do que 19 e 17? Ridículo.

Soltaram do abraço e seguraram as mãos, as luvas tão pretas que sequer eram visíveis os brilhos da água.

-- Você comeu? Parece pálido.

-- Hoje sim.

-- Já é quase noite, "hoje" não é muito específico.

-- Eu sei.

Sura soltou a mão que ainda tinha o anel de espinhos e usou para jogar vento na cara na rapaz; a ação por si só foi boba, mas a expressão no rosto tirou o que tinha de engraçado.

-- Tem que se cuidar, Axel, acabar passando mal aqui embaixo é perigoso, ainda mais sozinho ou se acabar caindo em água ou pedras... que cara é essa?

Axel afastou o cabelo do rosto alheio com a mão agora livre, e lá mesmo deixou, encostando os dedos.

-- Você é fofa.

-- Flertar não adianta quando o assunto é sério.

-- Eu sei que é sério, mas você ainda é fofa.

-- Aceito o elogio, mas comeu?

-- Você limpou seu machucado?

-- Antes de vir. Não desvie, raparigo. -- Sura pontou pondo um dedo perto da testa do rapaz -- Eu realmente levo você apagar de novo mais sério que você mesmo?

Axel deu de ombros, sem querer concordar ou mentir, então soltou a mão da moçoila e tomou novamente com a outra, para poderem andarem juntos.

-- Eu vou lembrar no próximo turno, só vamos andando agora, tudo bem?

Sura o deu um olhar de conhecedor, mas concordou, e o seguiu pelos túneis até um que levava a uma clareira. A ideia era de ser um dos "lugares nada com nada", mas era, sem ironia, um lugar bonito, especialmente no outono.

Depois de saírem e o alçapão se fechar sem sinais de existir que alguém que não soubesse onde estava poderia encontrar. Só por vontade, Sura fez correntes de ar para pôr as folhas caídas em pilhas, deixando os tons das folhas terem algum contraste com a grama que ainda tinha algum verde.

-- Ganhando mais jeito?

-- Necessário, não é mesmo?

-- O que a sua mãe acha das suas melhoras?

-- Acha um desperdício eu não querer me alistar. Acho uma basteira. Não quero sair da minha província, por que faria algo que o objetivo principal é sair dela? Seria burro.

Os dois se acomodaram próximo a duas das pilhas de folhas, olhando as nuvens e conversando água.

Só mais cinco meses. passou pela cabeça de Tatsura, entrelaçando os dedos com Axel.

Tales Of EsterpeOnde histórias criam vida. Descubra agora