Folkrasti

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Uma semana não era o bastante.
Lasta compreendia a ideia e como funcionava, e ser enviado era um tipo de honraria - alguns diziam que era uma versão menor de diplomacia de altar -, mas não tinha como se preparar para aquilo. 

Quando se aproximou com os outros e a escolta da fronteira, conseguia sentir como mãos lhe alcançando e criando raízes que tentavam entrar em sua pele e sugar sua força. Andar na área foi como se conseguissem entrar até os ossos e sugar o que bem quisessem, mas não havia tempo para ficar à toa, e pausas para recuperar a força não eram um opção segura, com como magos enfraquecidos em estalagens, especialmente em bom número, sempre chamam atenção - mana era relativamente comum em nobreza por causa dos séculos de casamentos arranjados, mas entre pessoas comuns, onde devia haver um para duzentos sem-mana, se isso? Suspeito o bastante para sequestro ser quase uma garantia, mesmo que em lugares onde envios eram mais comuns.

Sob o sol poente, quase tombando da égua mesmo relativamente devagar, o rapaz puxou o cabelo prateado sobre o rosto e o capuz para encobrir, tentando espantar um pouco o frio que sentia, apesar dos olhares de reprovação que recebia - não podia julgar, pele escura e cabelo prata era uma combinação chamativa. Como conseguira era pergunta para neanês responder.

-- Vai acabar tombando do jeito que está. -- Aya comentou, um olho verde dando uma espiada por debaixo do capuz cinza; já era seguro, já que estavam próximos da província, mas os broches ainda não haviam sido postos, numa mistura estranha de confiança e precaução. Lasta invejava o quão bem ela estava, mesmo que ainda não 100%.
Não era como se fosse estranho usarem capuzes, ainda bem. Civis que muitas vezes não podiam comprar carruagens fechadas incluírem capas com capuzes às vestes de viagem para se protegerem dos elementos era bem comum. Os broches que ainda não. Precaução não machuca.

-- Minhas mãos estão dormentes. -- respondeu com secura, sem querer gastar muito fôlego com a moça.

Pareceu funcionar, graças à boa graça.

As tonturas, elas continuavam, não lhe deixavam focar. Só sabia que fora uma semana porque os outros às vezes comentavam.

Oitavo dia, e outro, e outro... quando parou de contar? Não sabia, só sabia que deu a frase que fora ensaiada várias vezes durante o preparo, pois quando o foco realmente voltou, estava finalmente deitado em um leito - uma coisinha estreita e de cheiro suspeito, mas um leito. Se dar conta foi o bastante para deslizar de volta, as fraquezas de fato diminuindo em vez de apenas mudarem.

Chegar à lucidez completa com sensação de ter perdido vários dias era honestamente medonha, mas ao mesmo tempo talvez fosse melhor não lembrar claramente. Foi somente depois que todos estavam em boa condição que foi iniciado um direcionamento pelo lugar que precisava de suas presenças.

O lugar não era muito diferente de uma unidade usual; necessidades apenas, se quisesse algo melhor teria de arranjar ele mesmo com o que conseguisse nos próximos tempos. Lhe parecia justo.

O núcleo da função era algo que na sua não-tão-longa existência sempre lhe pareceu absurdamente fora de alcance, mesmo sabendo que podia virar parte do seu futuro quando foi rejeitado para o exército.
Paredes formadas para terem o mínimo de viradas bruscas possíveis, trilhos de mercúrio e outros medidores junto a postos de observação mantendo atenção para alertar sobre qualquer reajuste necessário, e, dando força a tudo aquilo, seus semelhantes, agindo em sincronia sobre uma linha preta na parede de rocha. Bem à vista, tal qual um conto de fadas envolvendo um ninho de dragões, vulcões muito visíveis de quando em quando vomitando algo indesejado.
Se a história que lhe contaram sobre como conseguiram fazer a linha preta - um ladrão de mão dada com um mago dando tapinhas nas pedras - era verdade, ia levar algum tempo para conseguir pensar naquela parede sem querer dar risinhos. Não precisava olhar ao redor para saber que pelo menos dois dos seus (ex?)companheiros de unidade compartilhavam o sentimento.

-- Parece quase ensaiado. -- falou uma das moças.

-- É quase o mesmo de ser, uma vez que conseguem agarrar a ideia. -- o homem que lhes guiava disse -- Clima, meus jovens, é algo que ao mesmo tempo toma muita força para manipular e pode causar muita destruição se manipulado com imprudência. Saber combinar poder não basta, é preciso saber ouvir e agir no momento certo, porque se alguém desviar pode causar uma catástrofe.

-- Não é tão ruim se no final a imundice não chegar, não é? -- um outro comentou. O mentor pareceu se perguntar quem o aprovou.

-- Me diga, senhor, o que pensaria se sua província estivesse contando com chuva para o mês e uma corrente de ar que veio do nada desmanchasse as nuvens que a teriam trazido.

O rapaz pareceu entender. Lasta, mesmo pensando que parecia óbvio, sentiu um peso bater com o que o mentor disse.

Parece que serviço civil não era tão reduzidor: ia ser responsável por quantas vidas seria se tivesse virado soldado, se não mais.

Tales Of EsterpeOnde histórias criam vida. Descubra agora