Eram quase seis horas da manhã. O sol brilhava forte do lado de fora, em todo seu esplendor. Ellen entra no quarto, sisuda, abrindo as cortinas da janela com dureza. Darcy espreme os olhos em reflexo, sonolenta. Solta um resmungo, aborrecida por ser acordada tão cedo e daquela forma. Sua mãe puxa o lençol que a cobre.
– Que foi? – reclama, tentando abrir os olhos.
A mulher se senta no colchão, ela segura um tablet, carrancuda.
– Você pode me explicar o que é isso? – vira a tela do aparelho para a filha.
É possível ver uma rede social aberta, com um vídeo pausado. Setecentas e treze mil visualizações e contando.
– Coloca uma roupa e desce, o seu pai está esperando, ele está uma fera – fala, se levantando e saindo do cômodo.
Darcy sente seu coração palpitar. Gostaria que houvesse um botão onde fosse possível deletar a sua existência.
Não demora muito até estar vestida com o uniforme do colégio. Seu humor não lhe permitiu sequer fazer uma maquiagem ou arrumar o cabelo, que se encontrava agora em um rabo de cavalo. Desce as escadas, tremulante, dirigindo-se até a sala de jantar, onde o farto café da manhã está posto sobre a mesa. Encontra um homem sentado na cabeceira, de semblante duro, e uma mulher parada em pé ao seu lado. A garota senta e logo pega um croffle, dispondo-o sobre um prato raso, numa tentativa de ignorar a situação.
– Você não vai dizer nada? – a voz grossa e grave ecoa. – Que porcaria de vídeo foi aquele?
– Eu só estava fazendo um desabafo, não imaginei que teria essa repercussão – responde baixo, picando os olhos depressa sem encarar o pai.
– Você tem noção das consequências dessa sua brincadeira? Acha isso divertido?
Há um breve silêncio, até a filha conseguir dizer:
– Não estava brincando.
Roger franze o cenho.
– Você está dizendo que é tudo verdade? – sua testa fica ainda mais enrugada. – Então é bem pior do que eu imaginava – bufa.
– Eu não seria louca de mentir sobre algo assim – consegue dizer com um pouco mais de firmeza.
– Então você fez... um aborto? – a mãe indaga, incrédula. – Você se envolveu com um homem casado?
– Isso pode arruinar a minha eleição! – brada. – Sabe o quanto nós lutamos ativamente, todos os dias, para criminalizar essa prática? Para você simplesmente ir lá e jogar tudo na lama?
– Mas que eleição? – o encara nos olhos dessa vez. – Todas as pesquisas apontam o senhor com menos de vinte e cinco por cento, enquanto os progressistas têm mais de sessenta! – diz. – Tudo o que eu precisava nesse momento era de apoio, mas nem isso são capazes de me dar.
– Como quer que a gente apoie isso? – Ellen questiona.
– Apoiar a mim, mãe! A mim! – exclama alto. – Um palanque político não deveria ser mais importante do que eu. Sabe, eu odeio isso tudo. Não concordo com as mesmas ideologias de vocês, e acho ótimo que eu possa fazer o que eu quiser com o meu corpo, inclusive abortar. Não sou aquela mesma pessoa que vocês imaginam, que querem que eu seja. É sufocante não ser apenas uma filha, e sim uma extensão de um comitê partidário! Eu preciso dos meus pais, não de um candidato e uma primeira dama. – despeja tudo de uma só vez. – Várias garotas devem passar por coisas semelhantes, e eu gostaria de servir como exemplo, talvez até ajudar. Mas vocês nunca vão entender isso. – murmura, se levantando. – Eu tô indo pra aula.

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Dominó
Teen FictionUma morte ocorre durante um episódio de bullying quando um valentão tem a sua sexualidade exposta para a escola inteira. Após isto, todos precisam lidar com seus atos e as consequências deles, em um catastrófico efeito dominó, que não deixará uma ún...