Conselho de amiga

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Oito horas.

Esse é o tempo exato que eu preciso descansar para garantir que a minha pele esteja sempre macia e saudável. Menos do que isso, e eu acordo parecendo um urso panda com olheiras roxas e fundas.

Como eu não tenho o hábito de dormir cedo, isso significa que eu quase nunca acordo antes do meio dia. O que não é um problema, já que eu não tenho nenhum compromisso importante durante a tarde.

A primeira coisa que eu faço após levantar é bater uma vitamina natural de laranja, banana e frutas vermelhas. Esse é meu desjejum habitual. A minha pele é muito sensível e, nessa época mais seca do ano, fica ainda pior. Os antioxidantes ajudam a mantê-la jovem e linda.

Como maquiadora, sinto que é minha obrigação dizer: Maquiagem não faz milagres. Ela precisa ser aplicada em uma pele limpa e bem-cuidada. Trato meu corpo como se fosse um templo. Um templo de veneração à Barbara Vazquez. Ou eu deveria dizer Bittencourt?

Depois de me hidratar, passo protetor solar e visto a minha roupa fitness — tênis de caminhada, legging, top cor-de-rosa, e boné da mesma cor — faço alongamento e saio para correr. Percorro uma rota de cinco quilômetros em aproximadamente uma hora sob o sol quente.

Durante o dia o bairro não parece tão assustador, porque as ruas são mais movimentadas, mas ainda passa muito longe de poder ser considerado bonito. Quase todos os muros são pichados. Tem vários armazéns, oficinas de carro, algumas indústrias também, muitas construções caindo aos pedaços.

Na rua de trás do meu prédio, vejo o mesmo bar movimentado que notei na noite passada. Um porão de tijolos, com o letreiro iluminado "Harvey's Bar". Me pergunto que tipo de pessoa frequenta um lugar desses.

Quando chego de volta, estou suando e cansada.

Meu cabelo está preso em um rabo de cavalo, mas a franja gruda um pouco na lateral do rosto, e eu levo a squeeze até a boca, virando um gole generoso de água entre os lábios.

Antes que eu possa pegar a chave do portão, ele range alto, sendo empurrado. É o meu vizinho de porta quem está de saída. Ele está vestindo aquele mesmo smoking estúpido de sempre, ainda que esteja fazendo um calor de lascar essa tarde.

— Boa tarde, vizinha — cumprimenta cinicamente. — Tarde quente para correr, não? Você devia fazer isso de manhã, é bem mais fresco.

— É sério? — Levanto uma sobrancelha, e desvio do seu corpo, empurrando o portão para entrar no condomínio. — Você realmente não tem uma vida para cuidar que não seja a minha?

Ele estende um vidro de batom líquido da M.A.C que tira do bolso.

— Acho que isso é seu — diz.

— É meu!

Mas no instante em que tento pegá-lo, ele move a mão. De um lado, do outro, rápido, fecha o punho, quando abre:

— Opa.

O batom desapareceu entre os seus dedos, bem diante dos meus olhos.

— Cadê? — Pergunto impaciente.

— O quê? — Ele ironiza.

— Meu batom. — Reviro os olhos, sem achar graça. — Me devolve.

— Espera. Esse batom? — Ele franze o cenho com falsa surpresa, tirando o vidro bem detrás da minha orelha.

Eu arranco da sua mão com força, antes que ele tenha tempo de tentar qualquer outra gracinha sem graça.

— Nunca mais toca nas minhas coisas, babaca — falo grunhindo, e dou as costas.

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