Um bom mágico

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Minha nova identidade passou no teste de eficiência essa tarde. Agora, eu sou oficialmente Barbara Bittencourt e essa é a maior mentira que eu já contei. Graças a ela, eu tenho um cartão black sem limites na bolsa, e muito dinheiro na conta bancária, cada centavo contado para resolver minhas pendências, claro.

O dia foi corrido, e fazer as coisas dependendo de táxi torna tudo mais demorado. Quando chego em casa, a noite já começa a cair. A única coisa que tenho tempo para fazer é tomar uma ducha relaxante, e então me arrumar para sair outra vez. Visto calça jeans clara e uma blusa curta preta. Os detalhes em cor-de-rosa ficam somente nas sandálias de salto e na bolsa pequena. A maquiagem é básica, não quero chamar atenção demais, e o Harvey's tem um público mais casual e descontraído.

Tecnicamente, aquela aposta não tem valor judicial para que eu seja obrigada a cumpri-la, então eu nem precisava sequer aparecer, mas eu vou.

Aparentemente eu não tenho nada mais divertido do que isso para fazer com a minha noite de sábado. A Dominique está viajando para um retiro espiritual na Índia pelos próximos dias. A Ariana está trabalhando essa noite. E o Kyle não me chama para sair desde o nosso último encontro fracassado.

Eu também não quero sair com ele.

Ficou constrangedor demais depois do "ataque" que eu dei na última vez. Eu não quero ter que explicar o motivo pelo qual eu perdi a cabeça e tive que fugir correndo daquela festa.

Nenhum cara quer lidar com o fator garota-traumatizada-com-ex-policial-perigoso.

Eu pensei que estava pronta para ficar com outra pessoa, mas estava errada. Não estou. O meu relacionamento com o Chris foi intenso e tóxico demais para que eu fosse capaz de superar em questão de meses. Não superei.

Posso ter superado aquele desejo intenso de voltar correndo para os braços protetores dele, mas definitivamente não superei as marcas que ele deixou em mim. As marcas, para ser sincera, eu acho que eu nunca vou superar. Acho que nunca voltar a ser a Barbie que eu era antes de conhecê-lo.

— Ei, olha só quem chegou. — É o mágico quem fala alto, assim que eu entro pela porta principal do bar. Ergue a caneca de cerveja em minha direção, como cumprimento.

É muita audácia dele me cumprimentar com tanto ânimo, como se fossemos bons amigos. Como se ele mesmo não houvesse me feito comer poeira hoje mais cedo e atrasar quase trinta minutos para a minha consulta no banco.

— Fiquei com medo que você não aparecesse, assistente.

Ele está recostado no bar, virando uma caneca de cerveja artesanal e está usando aquele smoking estúpido de mágico dele. A cartola foi deixada sobre o balcão.

— Eu não sou sua assistente — faço questão de pontuar incisiva.

— Acho que a nossa aposta diz o contrário. — Dá risada.

Eu me aproximo e sento na banqueta alta ao seu lado. Ele está comendo uma porção de asas de frango fritas. Pega uma e leva até a boca, em seguida vira um gole de cerveja. Tabitha está do lado oposto do balcão, passando pano na superfície de madeira escura. Ela me encara com aquele sorriso forçado, de quem preferiria estar morta a ter que estar aqui outra noite. Mesmo assim pergunta:

— O que vai ser para você Kardashian? Asinha e cerveja?

Franzo o cenho em uma expressão de desgosto.

— Não. Só um Sex on The Beach mesmo — respondo. — Sem açúcar, por favor.

— Ao seu dispor, majestade — ironiza. Em seguida vira para pegar o licor e a Vodka na prateleira de madeira atrás de suas costas. O mágico dá risada.

— O que foi?

— Nada.

— Você tem o que? Onze anos? Não é engraçado que uma bebida tenha a palavra "sexo" no nome. — Reviro os olhos, bufando.

— Não é disso que eu estou rindo — rebate.

— Então de quê?

— "Sex on the beach sem açúcar, por favor" — ele repete com uma voz aguda e provocativa. — Você soa como as garotas do outro lado da cidade. Da onde você vem afinal, Barbie?

— De nenhum lugar que te interesse — rebato irritadiça.

— Reservada...? Ou dissimulada? — Ele pondera, coçando o queixo. — Você está escondendo algum segredo sujo não está?

— Deixa a Kardashian em paz, Ken — Tabitha o interrompe. Coloca o copo longo com a bebida laranja sobre o balcão à minha frente. — Ela não é a única aqui com segredos sujos, ou é?

Sua voz soa enfática e convicta. Levanta a sobrancelha, desafiando ele.

Hm. Que surpresa boa! Então agora você voltou a falar comigo, Tabi? — Ele se dirige a atendente.

— Primeiro, eu nunca te dei intimidade para me chamar de Tabi — ela responde seca. — E, segundo...

Não diz mais nada. Apenas dá às costas, e ergue os dois dedos do meio na direção dele. As unhas pretas descascando, e um anel de caveira com olhos de rubi na mão direita.

Segue para atender às mesas.

— Eu tenho certeza que ela é apaixonada por mim — Kennedy fala. — Ela só tem esse jeito... Curioso... de demonstrar.

Eu gargalho alto, sem conseguir evitar.

— É. Tá na cara que tem muito sentimento reprimido ali mesmo — digo com sarcasmo. Mas tem algo nessa interação que me deixou curiosa. — Então... Você tem um segredo sujo, Mágico?

— Talvez.

Dissimulado — eu decido, sem precisar ponderar. Sugo um gole do meu drink cor-de-abóbora. — Já que eu sou sua assistente, acho que você vai querer me contar.

Ele sorri. Se aproxima do meu ouvido, fazendo uma concha com a mão, como quem vai confessar um segredo. Sussurra:

Um bom mágico nunca revela os seus truques. — O hálito morno tocando a minha pele.

Depois ergue a caneca de cerveja para brindar.

É uma regra justa, já que eu não pretendo revelar os meus truques e segredos para ele também, então eu ergo o meu copo e faço tilintar contra o dele.

— A um bom mágico, então — falo.

Ele sorri. Mata a bebida em um gole só. Bate a caneca contra o balcão de madeira.

— Hora do show. — Se levanta de súbito. — Conto com você lá no palco para me revistar, assistente. — Ele dá uma piscadela. — Onde será que um mágico esconderia uma chave secreta?

— Você está me provocando? — Pergunto alto. Ele já está a alguns passos de distância, caminhando em direção ao pequeno palco.

Dá risada.

— Pode apostar!

***

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