Quebrar paradigmas

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— O lugar é esse? — Kennedy se certifica ao estacionar em frente à portaria do conglomerado televiso gigantesco. Checo o endereço mais uma vez. Assinto.

— É aqui.

— Uau. Parece importante.

— É, mas eu estou tentando não pensar nisso para não ficar ansiosa.

Ele ri.

— Posso esperar por você se quiser.

Faço que não com a cabeça e salto da Mercedes. Uma brisa fresca bagunça meus fios loiros enquanto eu puxo a mala cor-de-rosa para fora do carro. Meus olhos se perdem um pouco, ainda impressionados com a magnitude do lugar onde eu vou produzir Mima Barkov para aparecer em um programa de TV. Surreal. Meu trabalho vai aparecer na televisão!

— Não precisa — respondo segurando os fios. — Eu não sei quanto isso vai demorar. Posso pegar um táxi na volta.

— Eu tenho umas coisas para resolver — diz. — Mas se precisar de carona mais tarde é só me ligar.

— Obrigada.

— Ah! E Barbara! — Fala alto, eu já estou distante. Me viro para encará-lo. — Tenta não sair com mais coisa do que você entrou.

Ele dá risada e acelera, me deixando com uma expressão de fúria, e um riso estúpido estampado no rosto.

Kenny é tão odiávelzinho. Mas se o meu estado civil não fosse, no mínimo, complicado, eu adoraria considerar a hipótese de um namoro sério com ele. A quem eu quero enganar? Nem precisaria "considerar". Eu me divirto como nunca quando estamos juntos, e as coisas mais bobas nele me encantam.

Como quando entramos numa avenida de semáforos sincronizados, e ele disse que ia fazer um truque para não pegarmos trânsito. Movendo as mãos, ele simulava um gesto mágico instantes antes de cada luz transmutar-se de vermelho para verde. E eu disse rindo "você é tão estúpido", quando o que eu queria dizer mesmo é que ele é engraçadinho.

Não fazia ideia de que "engraçadinho" poderia ser um pré-requisito na hora de gostar de alguém, mas agora estou caidinha pelo bom-humor de Kennedy. Quando seu truque falhou e nós tivemos que parar o carro no farol, eu fiquei olhando para ele, e eu quis tanto beijá-lo, mas não fiz.

Não quero tornar as coisas mais complicadas do que precisam ser no momento. Gosto que possamos ser amigos. Gosto que ele me trate tão bem, mesmo quando não tem a menor obrigação. A maioria dos caras simplesmente seriam babacas, ou seguiriam em frente ao descobrir que a garota com quem andaram ficando agora estava namorando outro.

Kenny não é como a maioria dos caras, e eu me amaldiçoo por ter demorado tanto para perceber. Todas as convicções e impressões que eu tive dele quando nos conhecemos estavam erradas. Ele não é grosseiro, nem escroto, e nem machista. Quer dizer, às vezes ele reproduz alguma ideia questionável, mas não por mal. E ele está sempre disposto a me ouvir, aprender e mudar, isso é tão humano da parte dele.

Ele tem sido o meu ser humano favorito ultimamente.

Me distraio com pensamentos enquanto desbravo as ruas arborizadas do complexo que mais parece um labirinto. Demoro pelo menos quinze minutos até encontrar o prédio do estúdio. Enquanto o elevador se move me levando para o quinto andar, eu penso que talvez eu ligue para Kenny quando terminar aqui. Não preciso da carona, posso mesmo pagar um carro de aplicativo, mas a companhia dele é impagável.

Encontro Mima no backstage, cercada por profissionais. Um rapaz oriental cuida da finalização dos cabelos com uma escova, enquanto uma senhora elegante cuida dos últimos ajustes na roupa. Ela termina na mesma hora que eu chego, então ficamos só nós três. Minha cliente tem os olhos vidrados na tela do celular, mas os sobe para me encarar.

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