Jogo de trapaceiros

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Quando sobe ao palco, o mágico não-tão-misterioso-assim faz questão de colocar uma cartola na cabeça, deixando a cena toda ainda mais ridícula do que precisaria ser.

— O que é isso afinal? A festa de aniversário de uma criança de oito anos? — Zombo. — Ele vai tirar um pombo dali ou o quê?

Eu dou risada, e a Ariana ri também, embora ache que eu esteja sendo maldosa.

— Ele é um artista, Barbie. Acho que ele merece uns pontinhos pela coragem.

— Boa noite! — O mágico cumprimenta o público de cima do palco. — Eu vejo que temos uma plateia bem diversificada essa noite.

Seus olhos correm pelo ambiente rapidamente, e fazem uma pausa demorada na minha mesa. Em mim. Ele sorri, ainda intrigado por me ver aqui. Eu ergo as sobrancelhas como quem pergunta rispidamente "o que foi?" ou "perdeu a bunda na minha testa?" Então ele desvia o olhar.

— Para aqueles que não me conhecem, eu sou o Misterioso Quem, e me apresento no Harvey's todos os finais de semana. Vocês podem acompanhar a minha agenda de shows nas redes sociais arroba misterioso ponto quem.

— "Misterioso Quem" — eu faço piada baixinho, imitando a voz dele. — Ele não sabe nem inventar um nome decente?

Ariana ri, mas também faz "shhh", me pedindo para prestar atenção no papo furado dele.

— Eu decidi inovar essa noite e abrir já com um número inédito que eu tenho praticado há algum tempo...

Ele tira o chapéu da cabeça, e começa a sacar dele um longo lenço vermelho, que parece não acabar nunca. Quando termina, o joga no chão para trás de suas costas. Saca ainda uma tesoura, um cubo mágico, e o que parece ser um cupcake estragado. Ele dá uma mordida, faz uma careta, e então joga para trás, como fez com todas as outras coisas.

— Desculpem a bagunça, eu estou precisando fazer uma faxina de primavera aqui na cartola. — Ele dá risada, e a plateia o acompanha. Não eu. Eu continuo assistindo cética, mesmo depois de ele ter tirado uma quantidade ilógica de coisas ali de dentro.

Alguém realmente tem apreço por comédia pastelão e mágica do pior tipo?

Tem certeza que você quer ver isso? — Insisto. Ariana assente e eu bufo insatisfeita.

— Aqui! — Ele comemora quando encontra um par de algemas. — Então, para esse truque eu vou precisar de uma pessoa da plateia para me ajudar. Algum voluntário?

Ele corre os olhos pelo salão, e eu faço o mesmo, encarando por sobre o meu ombro para descobrir quem vai ser o otário. Duas ou três pessoas levantaram as mãos.

— Tabitha? — Ele sugere piscando para a morena. — Que tal você?

A garota levanta os dois dedos do meio para ele, e a plateia se demora em um riso exagerado. Não teve tanta graça. Graça nenhuma.

— Nos menores frascos, vem os piores venenos — ele zomba da altura dela.

Volta a correr os olhos pelo salão procurando outro voluntário. Seus olhos param em mim. Ele sorri. Eu não levantei a mão para participar, mesmo assim, ele desce os três degraus do palco, e estende a mão em minha direção.

— Você!

Eu não consigo disfarçar a expressão de surpresa. Qual é o problema dele? As pessoas geralmente não combinam antes quem vão escolher? Ele não pensa que só porque somos vizinhos eu vou encobrir o truque barato dele. Ou pensa?

Eu poderia mostrar o dedo do meio e me negar a aceitar o seu convite também, mas me recuso a ser uma versão copycat da Tabitha, então me levanto segurando a mão que ele estende em minha direção.

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