Por baixo da toalha

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Fico acordada por mais de uma hora. Tomo um banho e ligo a TV, sentada no meu sofá, no escuro. Estou ansiosa, e não consigo pensar em pegar no sono sabendo que da existência de um pervertido morando no nosso prédio. Pior, que esse psicopata tarado pode ser o mesmo cara que me levou para a cama poucas noites atrás.

Tecnicamente, para o sofá e não para a cama, mas isso não vem ao caso. O caso é que eu transei com ele.

Já se aproxima das duas da madrugada quando ouço a porta do lado se abrir e fechar, então sei que o meu vizinho está finalmente de volta, o que é estranho. Kennedy não costuma chegar tão tarde durante a semana. Ando de um lado para o outro, criando coragem. Sei o que tenho que fazer, mas não sei se quero ou se consigo.

Pela parede, ouço quando ele liga o chuveiro, e depois quando desliga. Sei que a hora é essa. Preciso fazer. Preciso pegá-lo antes de ir para cama. Colocá-lo contra a parede — de um modo tão somente figurativo, claro.

Saio da minha kitnet, decidida. Com o peito estufado e o nariz em pé, bato na porta dele. Uma, duas, três vezes. Kenny abre.

— Barbie. — Levanta uma sobrancelha grossa, e dá aquele sorriso diabólico-angelical dele. Os olhos percorrem meu corpo. Me amaldiçoo por ter vindo de camisola. — Que surpresa agradável. A que devo a honra?

Gotículas de água escorrem do seu cabelo descendo pelo peito exposto. Ele não veste mais que uma toalha preta enroscada no quadril. Desse jeito, eu posso querer colocá-lo contra a parede de um modo bem menos figurativo. O desgraçado gostoso consegue tirar o meu foco, isso não é justo.

Se concentra, Barbara.

— Só pensei em passar e checar se você está bem... — Minha voz escapa aguda. Eu nunca menti tão mal. O que está acontecendo comigo?

— Melhor agora. — Esboça um sorriso torto e dá uma piscadela.

Ele está mexendo com os meus sentidos. Não, não, não! Não posso me deixar envolver por um possível tarado-psicopata-ladrão-de-calcinhas, ou seja lá o que ele for.

— Você parece... ótimo. — Preciso ressaltar, deixando meus olhos correrem o seu peito úmido mais uma vez. Eu estou ferrada! — Então acho melhor eu...

Tento escapar em direção a minha kitnet, abortar a missão, mas Kenny segura o meu cotovelo sem muita força. Me puxa em sua direção.

— Espera, espera, espera. Por que essa pressa? — Sorri. — Entra um pouco.

Ele puxa a porta, abrindo-a mais. Eu não deveria, mas aceito o convite.

Entro olhando tudo, procurando a evidência do crime que eu espero que ele não tenha cometido. A kitnet de Kennedy é arrumadinha. O colchão de casal fica sobre uma cama de pallets, que é o mesmo material da estante de livros sobre a qual fica apoiada a televisão. Na cozinha, os armários são de pinus, e a geladeira é antiga, vermelha. A mesma cor da banqueta que eu puxo para me sentar junto ao balcão. As paredes são cinzas.

Kenny anda até o seu próprio bar particular e pega uma garrafa de vodka.

— Algo para beber? — Oferece. Eu nego educadamente. — Tem certeza? Posso te fazer o seu drink favorito.

— Uau... Você tem um talento secreto de barman? — Provoco apoiando os cotovelos na pedra.

— Eu sou um homem de muitos talentos, Barbara.

— Nesse caso acho que eu vou ter que provar para descobrir.

Ele ri. Abre a geladeira para pegar o suco de laranja. Algo me diz que o fato de ele ter os ingredientes para o meu drink predileto na geladeira é porque sabia que, cedo ou tarde, eu acabaria aqui.

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