#Roubeovisual

279 64 9
                                    

Dominique não é do tipo seletiva na hora de pescar peças das araras. Tudo que faz seus olhos brilharem acaba indo parar nos braços da vendedora, sem que o preço seja checado. Dessa forma, acabamos indo parar no provador com duas sacolas cheias de roupas. Uma é dela, claro. A outra, ela — como minha estilista honorária — me ajudou a selecionar.

— Fiquem à vontade — a vendedora diz instantes depois de ajeitar nossas peças no gancho ao lado direito do provador. — Se precisarem de qualquer ajuda eu vou estar aqui fora.

Eu entro na cabine e fecho a cortina marrom. Dominique entra na cabine imediatamente ao lado da minha. O espaço é amplo, fresco e muito bem iluminado. Eu me sento no banquinho para descalçar as sandálias.

— E vai me dizer o que foi aquele lance com a Jessica? — Ela pergunta pela parede.

Eu tiro meu vestido por baixo, penduro, visto uma calça de alfaiataria bege. Torço o nariz achando que realçou a largura do meu quadril de um jeito feio. Arranco.

— Ela me ligou — explico e penduro a peça de volta no cabide. — Eu decidi atender só para ver qual era a dela.

— E qual era?

Eu provo outra peça. Dessa vez uma minissaia branca, que combino com uma blusa de cashmere. Viro de lado no espelho. Analiso o meu perfil. Acho que me deixou gorda. Tiro.

— Ela está mesmo noiva — falo. — Eu vi o anel. É enorme.

Continuo tentando cada um dos itens.

Aquela... Argh! Você devia rever seus contatos, Barbie — diz. — Ter seu nome associado à família Biscoito não é o que eu chamaria de boa publicidade.

Provo uma blusa de chiffon rosé da Prada, que tem um laço no pescoço. Abotoo. Viro de lado. Olho. Acho que caiu bem. É larga o suficiente para disfarçar a minha barriguinha, mas justa o suficiente para ressaltar minhas formas.

— Relaxa. Não somos amigas. Eu só fui fazer maquiagem da Jessica.

— Por que? — Mini quer saber. Até que está reagindo bem melhor do que o esperado. Às vezes ela sabe ser muito dramática.

Olho a etiqueta branca com o preço da peça que acabei de provar. Quatrocentos dólares. Esse é o motivo.

— Gosto de desafios. Sair da zona de conforto — minto. — Achei que seria legal.

— Hm.

— Se quer saber... A Jessy parece do bem. Devia dar uma chance pra ela.

Não tenho resposta. Sem tirar a camisa, eu provo uma saia rosa da Gucci. Não tem o meu cumprimento favorito (é um pouco longa), mas é justa e deixa a minha bunda em evidência, o que me faz sorrir. A combinação fica perfeita.

— Gostou de algo? — Minha amiga quer saber.

— Sei lá... Acho que não estou num bom dia — minto. — E você?

— De quase tudo. — Ela ri.

Olho a etiqueta da blusa que eu gostei novamente. Quatrocentos malditos dólares. É claro que é uma peça cara, mas é da Prada, vale a pena. E ficou apenas perfeita com essa saia de... mais de mil dólares! Quase caio para trás com o susto.

Droga! Por que Dominique tem que ter um bom gosto tão caro?

Checo a minha imagem no espelho. Estou sexy e elegante ao mesmo tempo. A minha melhor versão, sem dúvidas. O conjunto ficou tão bem em mim! E é cor-de-rosa, o que confere uma centena de pontos extras.

— Prova essa! — A Dominique joga uma peça por sobre a parede estreita. — Acho que vai ficar bom em você.

É uma camiseta branca com flores. Bonitinha até. Mas eu já escolhi. Quero a o conjuntinho com a saia que deixa a minha bunda bonita.

Me pego analisando a peça. Não tem nenhum alarme. Nenhum dispositivo de segurança. Nada. Sinto aquela sensação me invadir como um fogo que começa a queimar.

Me olho no espelho outra vez. Eu gosto da imagem que eu vejo refletida. E nem sempre eu gosto tanto assim do meu próprio reflexo. Essa roupa, ela faz parte de mim. Ela me valoriza. Ela mostra quem eu sou. Ela fala por mim. Está decidido, eu preciso das duas. Da blusa e da saia.

Sinto a tensão do desejo começar a crescer.

Espio a cortina. Não tem ninguém no corredor. Me olho de novo. O coração começa a acelerar, e eu o escuto batendo forte dentro dos meus ouvidos. Não penso demais. Apenas puxo a etiqueta e ela faz um som de tec quando estoura. Alívio instantâneo. Como seu houvesse acabado de ter um orgasmo. Meu corpo relaxa como se estivesse derretendo lentamente.

— Vocês precisam de alguma ajuda? — A vendedora pergunta do lado de fora, despertando-me do devaneio.

— N-não.

Eu arranco as peças do corpo com pressa. Me atrapalhando um pouco.

— Já estou terminando também — minha amiga avisa.

— Tudo bem. Eu vou estar aqui se precisarem — ela diz prontamente.

Eu espio tensa sob a cortina, e vejo quando os pés dela são carregados para longe do provador. Enrolo a saia ao redor da blusa com cuidado, até deixá-las ocupando o menor espaço possível. Enfio dentro da bolsa, quase não cabe. Fecho o zíper com dificuldade.

— Você vai demorar? — Mini pergunta abrindo uma fresta da cortina.

Eu quase dou um salto de susto. Meu coração acelera.

— N-não tô achando o meu prendedor de cabelo — minto, fazendo de conta de que é por isso que estou mexendo na bolsa, e ela compra a desculpa. — Você tem um aí?

Ela caça no bolso do blazer e encontra uma presilha preta que me entrega.

— Serve esse?

Aham. Já estou saindo.

— Te espero lá fora.

Depois que ela some, eu fico olhando para a bolsa fechada, cogitando a ideia de abortar a missão totalmente. Antes de conhecer a Dominique, eu juro que nunca tinha roubado nada de valor tão elevado. Eram brincos, batons, perfumes, blusinhas de vinte pratas. Nada que realmente valesse dinheiro.

Uma saia de mil dólares parece coisa demais.

Eu só preciso de um sinal do universo me dizendo o que eu devo fazer.

E recebo. Na forma de uma notificação no meu celular.

Checo a tela.

@Jessy.biscotti fez uma nova publicação.

Clico.

@Jessy.biscotti:
#RoubeOVisual
Blusa por: @Chole

Saia por: @Gucci

Sapatos por: @Louboutinworld

Joias por: @Theofficialpandora

Dia ensolarado por: Universo!

Ela está vestindo a minha saia, mas não fica tão bem na bunda dela quanto na minha. Isso tem que ser um sinal divino. E, sendo ou não sendo, eu saio do provador carregando as peças escondidas dentro da bolsa. Meu coração está acelerado. Os ombros tensos. Assim que me encontra, Dominique enrosca o braço no meu.

— Sabe... Você está certa sobre a Jessica... Acho que eu estou sendo muito cruel. Não é culpa dela. Eu percebi que desde que eu terminei com o Dennis, não tive um tempo para mim... — Ela já pagou pelas compras dela, e me puxa para fora da loja, carregando uma porção de sacolas. — Preciso me afastar de tudo por um tempo, acho que vou fazer um retiro espiritual... Estou pensando em passar um tempo na Índia. Alinhar meus chacras.

Não tenho tempo de reagir. Quando piso o primeiro pé para fora da loja, o alarme dispara uma sirene alta. A minha pressão despenca, deixando a vista embaçada. A Dominique não para. Sequer percebe que a sirene foi destinada a nós duas. Mais precisamente, a mim. Mas então o segurança do shopping nos chama:

— Ei vocês! — Grita.

Sinto as minhas pernas congelarem, me impedindo de me mover. Engulo seco. Já era.

***

Votem!!!

Roube o visualOnde histórias criam vida. Descubra agora