Mentirinha boba

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Lar, doce lar.

Sabe aquela sensação de deitar no escuro em sua cama, fechar os olhos e não ouvir nada mais que o som do seu próprio coração desacelerando aos poucos?

Eu não.

Talvez porque eu tenha morado com a minha mãe quase a vida inteira, e sendo ela uma pessoa que sempre fala alto e que fala demais, eu me acostumei com o barulho. Mas pensei que morar sozinha fosse ser uma experiência silenciosa. Estava enganada. Descubro isso logo na primeira noite.

Eu não sei se os vizinhos é que são muito barulhentos, ou se as paredes desse prédio antigo é que são muito finas, e deixam escapar qualquer pequeno ruído.

O fato é que, na calada noturna, sem carros passando na rua, eu consigo escutar absolutamente tudo que os vizinhos fazem e dizem. C-A-D-A C-O-I-S-A.

Uma pior do que a outra.

O morador do 201, por exemplo, gosta muito de ouvir rock das antigas, e a batida pesada tocando no volume máximo até tarde da noite me faz ter vontade de arrancar os meus próprios ouvidos com as mãos.

Já no 202 mora o senhor Castanhares, o síndico. Ele é velho, e provavelmente meio surdo, então liga o jornal das nove no último volume, e eu acho que pega no sono assistindo, porque não desliga mais depois que termina.

Ao menos não é um filme pornô, penso, mas é uma comemoração antecipada. A pornografia fica toda reservada para depois da meia noite, sendo prestigiada ao vivo, graças ao meu indecoroso vizinho do lado. O 203.

Eu não sei se o cara é um mago da cama, ou se está realizando alguma fantasia ao maior estilo Harry Potter, porque a garota no quarto dele não para de gemer chamando ele de "mágico". Ela também gosta muito de pedir em voz alta coisas como "faz assim" e "me pega desse jeito".

Desnecessário!

E eu juro que não estou reclamando só porque não tenho um orgasmo decente há meses, desde que as coisas se complicaram — entre mim e o Chris, eu quero dizer. Desde que eu resolvi acatar o conselho que Dominique me deu naquele banheiro de luxo, o mesmo que Ariana já havia me dado uma centena de vezes, e terminei de uma vez por todas com ele.

Ou talvez seja sim por esse motivo. Já que, quando a solidão bate forte demais na minha primeira noite sozinha, eu envio uma mensagem para o Kyle.

@Barbie.makeup: O que tá fzd?

Ele demora alguns minutos para responder com uma selfie sua. Está em uma festa qualquer, com uma garrafa de bebida na mão e aquele sorriso estupidamente sedutor de cafajeste estampado nos lábios.

@Kyle.Molina: E vc?

Eu retorno o favor com uma selfie minha na cama, com meu pijama rosa rendado, tomando o cuidado de deixar o decote em evidência para ele apreciar. Não tenho seios tão avantajados, mas volumosos o suficiente para disputar a atenção com o meu sorriso de não-tão-boa-garota. Tudo premeditado para provocá-lo.

@Barbie.makeup: Na cama pensando em vc.

@Kyle.Molina: Não me provoca, Barbie.

Eu sorrio sozinha, mas ao mesmo tempo solto um suspiro frustrado. Esperava que ele me convidasse para sair, ou para ir dormir na casa dele. Quero desesperadamente as duas coisas: Sair dessa casa e dormir com ele. Estamos conversando por mensagem há quase duas semanas — quando nos conhecemos no festival de música que a Mini promove todos os anos. Quando digo que 'nos conhecemos', eu quero dizer que rolou uns beijos aqui, uns apertos ali, nada mais do que isso. Mas ele ainda não me chamou para um encontro de verdade desde então.

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