Padrões de beleza

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Ouço passos no asfalto molhado, se aproximando com agilidade. A claridade crepuscular é fraca, e torna o bairro onde eu moro o cenário perfeito para um filme de suspense policial. Tudo tão escuro e pacato, que me deixa apavorada.

Com a incômoda sensação de estar sendo seguida, eu junto o molho de chaves no meio dos dedos, me preparando para usá-lo como uma arma se for necessário. Aperto o passo. Espio discretamente por sobre o meu ombro direito.

Tem um único cara, e o resto da rua é apenas escuro e deserto.

Ele está um pouco distante, na outra calçada, usa trajes esportivos e um tênis de caminhada. Não consigo ver o seu rosto daqui. O sol começa a nascer, e eu estou voltando para casa, com os olhos inchados e a maquiagem borrada. Estou exausta. É um pouco cedo para alguém estar fazendo corrida, na minha opinião.

Numa tentativa de me livrar dele, eu dobro a esquina, mas ele dobra também. Faz o mesmo na próxima. Isso me deixa ainda mais tensa e assustada. Checo sobre o ombro novamente. Ele está se aproximando rápido, e eu estou quase no portão da minha casa.

Uma centena de coisas se passa pela minha cabeça.

E se for o Chris? E se ele me encontrou? E se não for o Chris? E se for um stalker? Um maníaco? Um estuprador? Espio de novo. Ele está mais perto. Não é o Chris, sei pelos trejeitos, mesmo o rosto estando longe demais para ser decifrável. Veste um capuz preto sobre a cabeça, e isso é assustador. Acho que ando assistindo seriado demais.

Estou abrindo o portão, mas ouço seus passos se aproximarem, atravessando a rua, perdendo velocidade. Não penso duas vezes, me viro com tudo e dou um soco bem no meio da cara dele. Com chave e tudo

— QUE MERDA! — Grita levando a mão até o rosto que sangra.

Eu o reconheço imediatamente pelo som da sua voz. Fica diferente com a barba raspada e usando o moletom preto de academia no lugar do smoking tradicional.

— Você estava me seguindo seu louco? — Acuso.

As horas que eu gastei maratonando "Você" na Netflix não foram totalmente perdidas, afinal. Eu não vou ser enganada por um stalker barato. Qual é o problema desse cara maluco que mora ao meu lado?

— Eu não estou te seguindo. — Ele franze o cenho. Arranca o capuz da cabeça. — Eu moro aqui, sua doida. Ou já esqueceu?

Aperta a região um pouco abaixo do seu olho esquerdo, tentando conter o sangramento. Não me convence. O que o Joe teria dito no lugar dele? — Penso. Provavelmente tentaria convencer a Guinevere Beck de que isso foi tudo uma grande coincidência. Destino. Não acredito nisso. E eu não sou tão ludibriável quanto a minha personagem de TV favorita. Eu já tive a minha cota de desilusões amorosas para valer por uma vida inteira, todas elas só com o Chris.

Não vou deixar outro homem me enganar tão facilmente.

— Então você estava apenas correndo casualmente pela rua bem no meio da madrugada? — Eu duvido. — O que você é? Um vampiro noturno?

— São quase seis da manhã —pontua. — Esse é o horário em que as pessoas normais costumam acordar para trabalhar numa segunda-feira, e não... — Ele fita o meu corpo de cima a baixo. Franze o cenho. — Voltar de uma festa. Se algum de nós for um vampiro noturno, esse alguém é você. Isso é hora de voltar para casa?

— Eu perdi o último metrô — justifico. — Precisei ficar esperando as linhas voltarem a funcionar.

Não sei porque estou me explicando com ele. Não é como se eu devesse alguma satisfação para o cara esquisito que usa smoking para sair e faz corrida antes de o dia amanhecer.

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