Sugar Baby

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Combinei de almoçar com a Dominique hoje.

Quando eu digo almoçar, quero dizer que vou só comer uma salada e tomar um suco natural. Nada muito pesado. Estou focando na dieta. É mais um encontro do que um almoço em si.

Minha agenda ficou subitamente disputada depois que Jessica divulgou meu trabalho em seu Instagram. Ontem mesmo, eu precisei maquiar algumas modelos para um evento importante de última hora. Elas me pagaram em dinheiro vivo, o que significa que hoje eu tenho o suficiente para pagar por um carro de aplicativo.

Peço a carona pelo celular e fico esperando na porta de casa. Vejo quando a conhecida Mercedes preta antiga estaciona do outro lado da rua, com a capota conversível aberta. Reconheço também a pessoa que salta de dentro dela. Ao invés de Smoking, está usando camiseta branca e calça jeans. Claro que o carro de mafioso não podia pertencer a outra pessoa.

Eu desvio os olhos para o celular.

— Boa tarde, vizinha — ouço quando ele passa ao meu lado. Faz uma pausa e enfia a chave para destravar o portão de ferro.

Eu já passei da fase de ter de olhar para reconhecer a sua voz sarcástica e irritante, então apenas reviro os olhos, cruzando os braços na frente do peito. Ignoro a sua presença indesejada.

— Que milagre te ver ao ar livre antes do meio dia — provoca. — Caiu da cama?

— É da sua conta? — Eu o encaro cética, e ele ri, achando graça em me fazer passar raiva.

Ele é muito sarcástico.

— Não mesmo — diz.

Mesmo assim, faz uma pausa. Recosta no portão de ferro, e fica me analisando. Procurando algum assunto ou sei lá qual é o problema dele.

— Perdeu alguma coisa?

— Qual é o lance do cor-de-rosa? — Quer saber.

Ele é observador.

Eu estou combinando um conjunto de jaqueta e calça jeans rosa com sandália de salto e uma bolsa da mesma cor. O meu tom escolhido de rosa — quartzo — também está presente nos meus lábios, nas unhas e nas peças íntimas. Mas essa última ele não tem como desconfiar. Mesmo quando eu sei que ninguém vai ver, eu nunca peco nos mínimos detalhes. Sou obcecada por eles, confesso.

— Não tem lance — minto. — Por quê?

— Você sempre está vestida de rosa — responde deixando claro que prestou atenção o suficiente para perceber. — E o seu apartamento... Ele é todo dessa cor.

Franzo o cenho com estranheza.

— Quando você viu meu apartamento? — Indago.

Minha cabeça me leva automaticamente para aquela janela aberta, dois dias atrás. Se alguém entrou lá, teria sido ele? O meu instinto de sobrevivência insiste em ficar alerta com esse sujeito. Isso deve significar alguma coisa. Eu devia confiar nos meus instintos. Ou não?

— No outro dia, quando fui pedir o açúcar — explica.

É uma mentira quase convincente, mas, antes que eu possa refutá-la, o meu celular vibra roubando a minha atenção. É o aplicativo avisando que o motorista acabou de chegar, exatamente no instante em que o sedan preto luxuoso estaciona junto da guia.

— É o meu namorado — minto colocando um fim na conversa. — Até mais.

Ele espia o lado de dentro pelo vidro escurecido. Franze o cenho.

— Uau! — Dá risada. — Como eu imaginava: O cara tem idade para ser meu avô.

Eu olho para dentro do carro. O motorista é um senhor magro e calvo, que parece ter idade o suficiente para ter lutado na segunda guerra mundial.

Acho que isso valida a teoria idiota do meu vizinho de que eu sou uma sugar baby, ou sei lá o que esse babaca pensa de mim. Que se dane! Não vivo às custas nem do velho rico que é meu pai, quem dirá de outro. Solto um grunhido de raiva e entro no carro pela porta traseira, batendo-a com força em seguida.

Antes de ir embora, eu ainda abaixo o vidro e deixo uma última observação:

— Ei! Vê se fica longe do meu apartamento! — Ordeno.

Ele ri. Apoia as mãos sobre a janela, e os músculos do seu braço se enrijecem. As duas tatuagens em perfeita evidência. Se aproxima para dizer:

— Bem que eu gostaria de ficar, vizinha.

Então se afasta e dá uma batida fraca sobre a lataria, liberando o motorista para arrancar o veículo.

O trajeto consegue ser ainda mais demorado do que teria sido de metrô. Isso porque a cidade não comporta a quantidade de carros, e o trânsito é um inferno literal — principalmente a esse horário. O dia está quente, mas pelo menos eu tenho direito a ar condicionado, e não preciso ser amassada por centenas de corpos num vagão apertado demais.

Quando finalmente chego, a Dominique está impaciente e já me enviou umas vinte mensagens de áudio, porque ela odeia esperar. Eu a encontro saindo de uma loja da Hermès, e ela está carregando três ou quatro sacolas laranjas que, provavelmente, custaram mais dinheiro do que a maior parte da população consegue ganhar em um ano inteiro.

— Por que você demorou tanto? — Reclama bufando. Dá uma ajeitada nos longos cabelos castanho-escuros. — Eu pensei que você não viesse mais.

— O motorista atrasou — minto. — Pegou um trânsito no caminho. Pra variar...

— Eu não entendo porque você não dirige — diz.

Mini é uma mulher independente, então, mesmo ganhando o suficiente para contratar um exército de funcionários, ela costuma dirigir o próprio Maserati para cima e para baixo.

Já eu não tenho carta. Sempre me virei com transporte público. Nunca tive grana sobrando para comprar um carro. O pouco que consegui juntar usei para fazer o curso de maquiagem, e depois para arrumar a minha kitnet. Esse é o motivo.

— Eu não gosto — minto. — É muito estressante. Prefiro pagar para alguém fazer isso por mim.

Ela pondera.

— É. Você não tá errada — responde enquanto observa a vitrine. Está intrigada por um macacão estampado da Stella McCartney que somente alguém tão elegante quanto ela poderia usar sem parecer um completo desastre.

— Vai ficar lindo em você — incentivo.

— Eu sei. — Ela solta um suspiro, me arrastando para dentro da loja. — Vem. Eu preciso provar mais umas coisinhas.


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