Mulheres de corações solitários

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Depois que pega a interestadual, Kennedy acelera só o suficiente para que o ronco do motor seja audível, e o vento faça ricochetear meu cabelo no banco de couro. Sou obrigada a prender os fios em um rabo de cavalo, para que não acabe com tantos nós que eu demoraria o resto da vida para desfazer com a escova ao chegar em casa.

Estamos rodando já há algum tempo. A paisagem urbana vai ficando para trás, cedendo espaço para a densa mata intocada ao nosso redor, e eu pergunto:

— A onde está me levando, hein?

Ele só responde:

— Para dar uma volta.

Sei que eu deveria ficar preocupada.

Nós somos vizinhos há menos de um mês. Eu realmente não sei muito dele ou conheço sua índole. Tecnicamente, isso poderia até ser uma emboscada, um sequestro, mas me deixo envolver pelo momento inebriante: O ritmo do carro, a brisa no rosto, 7 rings da Ariana tocando ao fundo, um pouco chiado. Kennedy faz uma imitação ridícula enquanto dirige. "You like my hair? Thanks, just bought it".

O hino do empoderamento feminino. Aposto que adora essa música — diz com segurança.

Não admito que é uma das minhas favoritas atualmente, porque isso inflaria ainda mais o ego dele.

— Você é confiante demais, Kennedy.

Ele ri com o peito cheio. A metade de um braço está para fora do carro, apoiado no vidro. O outro segura o volante magro despretensiosamente. Seus cabelos castanhos sendo bagunçados pelo vento.

— Para de dizer o meu nome inteiro assim, é estranho.

— É o seu nome! — Defendo. — Não tenho culpa se é estranho!

— Você pode me chamar de "Ken", "Kenny"... Que tal "Presidente"? No colégio as pessoas me chamavam de "Presidente"!

Eu rio alto.

— Isso é ridículo, eu não vou te chamar de "Presidente".

— Pode até me chamar de "tesão" se estiver no clima — provoca entre risos, espiando a minha reação enquanto dirige. — Mas sério, "Kennedy"? Só o meu pai me chama de "Kennedy".

Eu reviro os meus olhos. Solto um riso curto.

— Ok, tesão — falo com sarcasmo. —É melhor se concentrar no volante para não causar um acidente. O que acha?

Empurro o seu rosto para se virar para frente, sentindo a fricção da barba áspera contra os meus dedos. Para minha surpresa, Ken segura a minha mão e leva até a boca macia dele, roçando contra os seus lábios.

— Olha só... parece que alguém está mesmo no clima... — Provoca e o hálito quente toca o dorso da minha mão. — O seu amigo vibrador não dá conta do serviço sozinho?

— Cala a boca! — Protesto separando as nossas mãos com um puxão. —Já falei que aquilo não é um vibrador!

— Não estou duvidando! — Ele ri. — Mas também não tem nenhum problema se você... sabe... curte ter um momento só seu...

— Você é muito inconveniente! — Eu viro os olhos.

Mesmo com uma pitada de raiva, não consigo conter uma risada curta de escapar entre os lábios.

Poucos quilômetros depois, Kennedy estaciona Mirtes — a Mercedes 1958 — em um tipo de mirante à beira da pista. Estamos há apenas quarenta minutos de casa, mas literalmente no meio do nada. Montanha de um lado e precipício do outro. A única luz na escuridão é a do nosso farol iluminando o vazio. Quando ele apaga, só resta breu.

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