Capítulo 3- Fenrys

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O jardim era simples, mas bonito. Sob a luz das estrelas e do luar, a fonte que ficava no centro emitia um brilho que refletia na vegetação próxima, que levava à uma floresta. O guerreiro estava ansioso. Percebera que agira como um tolo ao se dirigir àquela fêmea, naquele palco, como se não tivesse controle sobre seus pés.
O que eu estava pensando? Com certeza ela vai me confrontar pelo meu comportamento ridículo lá dentro.
Ele cogitou seriamente voltar e fingir que nada aconteceu, mas este pensamento durou apenas alguns segundos. Ele queria vê-la. E ela o havia convidado. Como poderia ir embora?
Fenrys se recostou em uma das árvores que rodeavam o jardim, ficando praticamente escondido pela vegetação, e aguardou. Cinco minutos depois, ele farejou um cheiro de rosas e de algo doce que não conseguiu identificar. O cheiro de cachorro molhado também invadiu suas narinas. Quando se virou, viu Karen adentrar o grande jardim com dois cachorros da raça Dobermann ao lado do corpo. Estava usando uma capa escura por cima do vestido que a pouco molhara de cerveja. Ele iria se odiar pelo resto da vida por isso.
Enquanto ela se aproximava da fonte e seus cachorros farejavam e faziam suas necessidades, Fenrys se permitiu olhar para ela um pouco mais. Banhada pela luz da lua, parecia ainda mais bela. O lobo já vira muitas fêmeas feéricas em seus séculos de vida, mas nenhuma se comparava a ela. Nem mesmo sua rainha Aelin tinha lhe impressionado com tamanha beleza. Ela era estonteante.
Como se sentisse sua presença, ela se virou para onde ele estava praticamente escondido e ficou em alerta. Sem poder esperar mais, Fenrys se aproximou e levando a mão ao coração disse:
- Me desculpe, eu não quis assustá-la.
Ela soltou um suspiro e lhe ofereceu um sorriso que fez seu coração dar um salto no peito.
- Está tudo bem, – disse quando ele chegou perto o suficiente para lhe tocar - já não é a primeira vez que você me pega de surpresa esta noite.
Seu sorriso era atrevido.
- Eu realmente sinto muito pelo seu vestido- disse envergonhado.
- Ora, não se preocupe. Noites como essa não vem sem nenhum imprevisto.
Ele sorriu e estendeu a mão direita.
- Sou Fenrys Luar, membro da corte da rainha Aelin Galathynius. É um prazer conhecê-la.
- Prazer em conhecê-lo, Fenrys, – estendeu a própria mão e apertou a dele - sou Karen Bittencourt.
Suas mãos permaneceram apertadas por mais tempo do que o necessário, enquanto seus olhos, mais uma vez, se prenderam um no outro. Nada fazia sentido. Porque ela o fazia sentir como se o tempo parasse? Porque parecia que estar em sua presença era a coisa mais importante de sua vida? Fenrys sentia pinicando em sua pele aquela vontade de tocá-la. Em todos os lugares.
O que deu em mim?
Afastando a mão delicadamente e colocando as duas no bolso, ele notou que os cachorros se aproximaram.
- São lindos, qual o nome? – Sorriu.
- A preta é a Ciara e o marrom é o Doug – Disse Karen, dando petiscos que tirou do bolso da capa para ambos comerem – São muito apegados. Adoram me fazer companhia.
O guerreiro a contemplou, enquanto ela acariciava a orelha de Doug. Mal podendo acreditar que ela estava ali, na sua frente, logo após assistir ao seu espetáculo mais cedo.
- Foi uma belíssima apresentação. - Disse o feérico com admiração e um sorriso de canto - Você tem a voz mais linda que já ouvi na vida.
- Obrigada. Fico muito feliz que tenha gostado. - Disse genuinamente contente.
Fenrys notou com aquela proximidade o quanto era mais alto que ela. Porém, isso não parecia intimidá-la nenhum pouco, assim como quando estivera no palco e uma multidão de machos descontrolados pediam sua atenção.
- Aquilo acontece com frequência? – Questionou o feérico, enquanto os cachorros se afastavam de novo.
- Se está perguntando sobre a atitude que aqueles homens tiveram quando eu finalizei a apresentação... – Soltou um riso – Sim, acontece com frequência.
- Bom, seu guarda costas merece um aumento se aquilo é tão recorrente.
Pegando-o completamente de surpresa, ela gargalhou. Um som alto, bonito e muito gostoso. Seus olhos estavam no sorriso largo e, enquanto prestava atenção em sua risada, o feérico percebeu que adorou o som.
- Bom, vou informá-lo que um membro da corte da rainha de Terrasen admira seus serviços, – acrescentou com um sorriso irônico – se bem que meu irmão já recebe mais que o suficiente para exigir um aumento.
Irmão. Bom, tudo passou a fazer sentido. Aquele macho parecera muito determinado a protegê-la. Por isso ele era tão familiar.
- Então, você fica responsável pela parte artística e o seu irmão por pegar todo o dinheiro que puder enquanto te protege das investidas descontroladas da sua plateia. – Concluiu, no momento em que começaram a caminhar lado a lado pelo jardim.
Rindo, ela disse:
- Kaysen também é um artista. Sabe cantar, mas sua paixão mesmo é tocar instrumentos – Abriu um sorriso orgulhoso. – Pode tocar qualquer um que puser nas mãos.
- Vocês fazem isso a muito tempo?
- Nossa vida toda. Adoramos a música. Tudo o que a envolve. O cantar, o tocar, o ouvir. Até nos arriscamos a escrever algumas canções. – Completou enquanto o olhava nos olhos. – Nossos pais fizeram questão de nos ensinar tudo o que era de mais importante.
De repente seu semblante mudou. Como se alguma lembrança passasse por sua mente, e a entristecesse. Fenrys não entendeu o motivo, assim como tudo o que estava acontecendo naquela noite, mas sentiu uma imensa vontade de fazer qualquer coisa para lhe tirar aquela tristeza.
- E como andam as coisas em Orynth? - Disse ela mudando de assunto - Ouvi dizer que ainda tem muito para reconstruir.
- Estamos indo aos poucos. Todo o território sofreu muito durante a batalha e estamos caminhando sem pressa. Ainda há algumas coisas a fazer.
- E imagino que deva estar em uma missão fundamental para estar longe da rainha e seu consorte.
Ele sorriu ao pensar nos amigos que estavam a poucos dias de distância.
- Eu e Vaughan, o mais recente membro da corte, estamos voltando de uma missão mais diplomática no momento. Fomos negociar os últimos detalhes para a vinda dos acadêmicos de uma terra longínqua a Orynth. Eles vem para compartilhar conhecimentos e livros. Muitos livros. Nossa biblioteca acaba de ser reconstruída.
As sobrancelhas da feérica arquearam e em seguida, lançou um sorriso debochado.
- Uma biblioteca, hein? Imagino o quanto os guerreiros e soldados de Terrasen tirarão proveito disso.
- Ei, eu sou muito mais intelectual do que você imagina.
Karen soltou mais uma de suas gargalhadas deliciosas e balançou a cabeça.
- Claro que sim. - Ironizou - A maioria dos soldados que conheci tinha o conhecimento especializado sobre de lutas e espadas, mas quase nunca tinham pegado um livro nas mãos.
Fenrys ficou confuso. Quantos soldados havia conhecido? E porque parecia muito familiarizada com eles?
- Você parece ter muita experiência, falando dessa forma. - Disse o lobo, tentando parecer despretensioso.
- Digamos que sei muito mais do que julgaria necessário. - Disse abrindo um pequeno sorriso.
- Ah...
Parecendo perceber sua confusão, Karen o encarou, os olhos brilhando sob a luz da lua. Linda. Muito linda. Será que há algum soldado em seu coração?Antes que conseguisse voltar a ter pensamentos coerentes, ela semicerrou os olhos e disse:
- Eu vi você.
Mais uma vez Fenrys ficou sem entender. Mas não precisou perguntar nada, porque ela logo esclareceu:
- No dia da batalha, quando Aelin Galathynius abriu os portais e meu povo entrou junto com os humanos e a Tribo dos Lobos, eu vi vocês ao lado de Maeve.
Levou alguns segundos para o guerreiro processar o que ela havia lhe dito. Quando o povo perdido retornara para Terrasen, Fenrys estava caído no chão. Uma ilusão com seu irmão morto dominava sua mente, o tornando incapaz de ver quem estava passando pelo portal. Mas, uma coisa sabia, todos que entraram para este reino lutaram bravamente até que os desgraçados valgs fossem derrotados.
- Você… Você lutou contra o exército valg. Esteve lá, e lutou ao lado de guerreiros. - Disse pasmo, imaginando-a naquele campo de batalha. - Por isso tem esse conhecimento de soldados?
Karen riu, antes de completar:
- Digamos que não tive escolha. - Ela acrescentou quando ele franziu a testa – Eu era a comandante do exército.
Fenrys não conseguiu evitar ficar boquiaberto. Comandante. Não apenas alguém com grandes habilidades de batalha, mas alguém de confiança, inteligência e equilíbrio além do normal. Ela era muito mais do que um rosto bonito e uma voz angelical.
- Isso é fantástico! – Disse ele, quase gritando.
Com um sorriso no rosto ela apenas deu de ombros:
- Não é nada demais. Durante nossa longa vida treinamos para aquela batalha, e este cargo me foi designado sem que eu realmente o cobiçasse. Mas confesso que foi uma experiência inesquecível.
- Ah, eu imagino. Em um campo de batalha é muito mais fácil receber ordens, ou agir conforme seus instintos. Difícil é fazer isso e ainda ter um senso de organização.
Ela riu de forma irônica, entendendo muito bem o que o guerreiro estava dizendo.
- Realmente não é simples. Me designaram àquela função porque achavam que eu teria tal capacidade e confiança, mas nunca é fácil quando alguém que está sob seus cuidados é morto ou gravemente ferido e você precisa continuar. - Ela parou e olhou para a longe com certa melancolia - O mundo foi salvo por duas mulheres fortes, e isso é motivo de muito orgulho. Mas o que as pessoas não sabem, é que o caminho até lá é cheio de perdas e sacrifícios.
Fenrys sabia bem. Quase sempre sonhava com o que perdera. Lembrava da faca entrando naquele coração. Das últimas palavras que lhe foram ditas. Da falta de oportunidade que teve para convencer o irmão de que estava cego.
Ele balançou a cabeça, afastando os pensamentos. Não era o momento para aquilo. O que lhe intrigava era ela. A feérica que roubou seu fôlego quando cantou e que se mostrava alguém com uma história significativa. Ele se perguntou quantos soldados e familiares ela havia perdido sob seu comando.
Na esperança de melhorar o clima, uma pergunta completamente aleatória surgiu em sua cabeça:
- Qual é o seu dom feérico?
A pergunta pareceu surpreendê-la, porém ela estava segurando o riso quando perguntou:
-Essa foi inusitada. Porque acha que eu tenho algo especial?
- Não sei, mas algo me diz que você ainda vai me surpreender muito.
Seu olhar se demorou no feérico, parecendo sopesar se deveria responder ou não. Ele assistiu um sorriso malicioso nascer em seu rosto encantador, que fez com que a sua respiração ficasse presa na garganta. Ela devolveu:
- Qual é o seu?
Fenrys não pensou duas vezes, fez sua melhor cara de indiferente e disse:
-Ah, não é nada... – E então saltou da frente dela, para suas costas – de especial.
Karen deu um pulo e soltou um gritinho, antes de gargalhar ruidosamente, levando as mãos até a barriga. Enquanto se virava para olhá-lo, ele contemplou aquele sorriso brilhante. Porra, eu realmente gosto desse som.
- Isso é sensacional! – Disse ela, ainda rindo.
- Obrigado.
- Como funciona? – Perguntou, olhando para toda a extensão do corpo dele, como se pudesse decifrar o seu poder.
- Não sei exatamente. Só sei que posso dar esses saltos, em curtas distâncias.
- Já levou alguém com você?
- Sim.
- Me parece muito divertido.
- Seria, se não drenasse quase toda minha energia.
- Oh sim, isso é uma pena. – Lamentou, secando as lágrimas dos olhos.
Quando Doug se aproximou, Karen agachou, pegou pedaço de um galho e jogou para o cachorro, que não hesitou em ir buscar. Em seguida Fenrys perguntou:
- Você e seu irmão se mudaram para esta cidade? Não me leve a mal, mas nós recebemos de braços abertos em Orynth todos do povo perdido. Por que estão aqui?
- Não nos mudamos para cá. Para falar a verdade não temos exatamente um lar. - Karen disse, evitando o olhar do guerreiro - Fizemos um acordo com os donos da taberna e cantamos todas as noites em troca de comida e um quarto para dormir. Pelo menos nas próximas semanas. O dinheiro que recebemos é de gorjetas, por isso Kaysen faz questão de pedi-las tão enfaticamente.
Fenrys ouviu cada palavra que ela disse, porém, uma parte lhe chamou a atenção. E quando deu por si, já estava questionando.
- Como assim não tem um lar? O que impede vocês de voltarem para Orynth?
Naquele momento, Karen respirou fundo e se virou totalmente para o guerreiro, ficando a poucos centímetros de distância um do outro.
- Todos temos uma história Fenrys Luar, talvez um dia eu conte a minha. – Com isso, começou a estender a mão direita em direção ao rosto do feérico. Completamente imóvel, ele percebeu que ela estava levando a mão até sua cicatriz no rosto. Porém, ele nada fez, quando ela tocou com os dedos delicados o corte logo abaixo do seu olho e sussurrou - Vai me contar a sua?
Sem ao menos perceber, ele inclinou o rosto para aquele toque, se deleitando com o contato. Sem desviar o olhar, ela ficou na ponta dos pés e Fenrys abaixou o rosto para se aproximar mais e ajudá-la a depositar um beijo, onde seus dedos estiveram. Foi um leve roçar dos lábios, mas que enviou uma onda de calor por todo o corpo do guerreiro. Foi uma das melhores sensações que ele já sentira na vida.
Prendendo a respiração, ele começou a se aproximar, como um lobo atraído pela lua. Sem conseguir se conter, estendeu a mão, tocando naquele rosto, sentindo a pele macia. Droga, porque eu preciso tanto tocá-la?
Karen levou uma mão até o peito do feérico, logo acima do coração, que batia ruidosamente. Ela o questionou, sussurrando:
- Só eu estou sentindo isso? Essa... Atração?
- Não. Não é só com você. Eu... isso... - o guerreiro suspirou, ainda acariciando seu rosto. - Não sei o que está acontecendo.
Se alguém pedisse para descrever o que estava sentindo, Fenrys não conseguiria. Tudo nela o atraía. O rosto, os olhos, a voz, o cheiro. Deuses, e o que é esse cheiro...
Uma coisa era certa, ele sabia que não poderia se afastar, não por muito tempo.
Involuntariamente seu corpo começou a se inclinar mais para a feérica, permitindo que sentisse seu hálito quente, até que seus lábios estivessem a centímetros um do outro. Karen desceu os olhos para a boca dele e quando sua respiração falhou, umedeceu os lábios, fazendo-o engolir seco.
E então, como se alguma coisa a tivesse despertado, Karen tirou a mão do peito dele e deu um passo para trás:
- Está tarde. Preciso descansar. - Acrescentou, e começou a se afastar - Amanhã será um dia agitado.
Karen chamou seus cachorros, que ainda estavam farejando pelo jardim se voltando para a taberna. O macho, ainda atônito pelo momento que vivenciara, se apressou ao dizer:
- Espere! Amanhã vou te ver novamente?
Ela o olhou por cima do ombro e perguntou, com um sorriso travesso:
- Vai ao festival, guerreiro?
- Eu não sei. Acha que devo ir? - Questionou com um sorriso torto.
- Eu não sei. Talvez encontre alguma atração que lhe agrade. - Ela piscou e lhe deu as costas se afastando. - Tenha uma boa noite, Fenrys.
- Boa noite, Karen. - Disse, ao levar a mão à bochecha, onde ela havia depositado aquele beijo delicado.

Um conto de Fenrys - uma fanfic de Trono de VidroOnde histórias criam vida. Descubra agora