O Livro

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— Ahn... eu sei que combinamos que eu não ficaria falando sem parar, mas falta muito para chegarmos...? Assim, não é por nada, de verdade, é só que está meio frio... — Ahmose, praticamente pendurado no braço de Halima, tremia dentro de várias camadas de roupa, fazendo-o parecer algum animal gordinho e desengonçado, com dificuldade para caminhar.

Todos caminhavam há um bom tempo e uma escuridão pairava sobre suas cabeças. Rohan havia esquecido como aquele país possuía dias ensolarados tão curtos que, a princípio, era fácil pensar que o mundo estava acabando e que o Sol simplesmente estava, aos poucos, desaparecendo.

Era depressivo, na melhor escolha de palavras. Viver tanto tempo no escuro, cercado de gelo, não era exatamente o que Rohan conseguia se acostumar, apesar de entender a beleza que Yuren via ali. Mas este era Yuren, afinal de contas, ele conseguia ver beleza em muitas coisas, ao contrário de si, que há muito tempo já não conseguia encontrar algo poético ao seu redor.

— Talvez devêssemos parar... — Sugeriu o bruxo, mas Rohan estava inquieto, seus olhos vasculhavam o lugar com atenção.

— Eu acho que... já sei onde estamos.

— Sabe? Então consegue achar o caminho para essa cabana?! — Ahmose questionou, empolgado com a atualização daquela caminhada.

Rohan fez um sutil aceno com as mãos, iluminando todo o ambiente em um raio de alguns metros. Apesar dos escombros e das cinzas, algumas casas ainda possuíam suas estruturas internas e uma delas fez seu estômago embrulhar. A imagem daquele lugar estava ainda mais viva em sua mente depois de ter retomado suas memórias, então lembrou-se de seu eu mais jovem, jovem demais para fazer o que fez. Lembrou de cada pessoa que levou até ali, cada voz, cada toque indesejado, cada invasão que o fazia se arrepender sempre, cada vez mais...

Rohan deu uma risada abafada, nervoso, sentindo o coração despencar para o estômago. Azuri rapidamente correu para seu lado, sentindo que algo estava errado e empurrou o focinho em sua direção.

— Ei... — Yuren então surgiu ao seu lado também, tocando seu rosto.

— Eu sei como voltar para casa...

A frase soou estranha em seus lábios, parecia ter um gosto agridoce. Casa? Há quanto tempo não se referia à cabana como sua casa? Mas foi o bastante para lhe fazer lembrar da profecia, agora tinha ainda mais certeza.

Rohan fez um leve carinho no focinho de Azuri e se deslocou para o meio do corpanzil da dragão-fêmea, subindo em suas costas. Yuren, Ahmose e Halima o olhavam, parecendo esperar instruções.

— Sunmei. — Rohan chamou o mais velho, esticando uma das mãos morenas para ele. — Vamos voltar juntos?

Yuren, sem hesitar, caminhou em direção a Azuri e também esticou a mão, alcançando a sua e então, sentou atrás de si. O mago sentiu os dedos gélidos tocarem seu pescoço, acariciando.

— Sim, vamos voltar para casa. — Ele completou.

Com Ahmose e Halima montados em Narya, os quatro voaram em meio a neve que começava a cair, seguindo em direção a pequena cabana perdida pela floresta densa de pinheiros.

Após tanto tempo, ali estava ela.

Diante de seus olhos, praticamente toda coberta de neve e gelo, estava a cabana em que ele e Yuren moraram sozinhos após o massacre dos Dazarova. Yuren estava a um passo a frente, encarando-a em silêncio, apertando a picareta com mais força.

— A casa está... — Halima disse, atrás deles.

— Congelada. — Ahmose completou, abismado. — Eu não sabia que isso era possível nos invernos daqui...

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