Fragmentos

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Havia muito sangue... muito, muito sangue.

Era difícil respirar, difícil se mexer.

— Mamãe... — Chamou baixinho, pedindo socorro. Se fosse mais forte, se fosse menos arteiro... nada teria acontecido, não é mesmo? Mas estava ali, paralisado, cuspindo sangue de sua boca que não lhe pertencia. — Irmão...

Os braços do rapaz mais velho ainda lhe envolviam, se não fosse pela magia dele, talvez tivesse sido esmagado... mas a magia que salvou sua vida não foi o suficiente para salvar o garoto acima de si, pelo contrário.

— Niko...

Seu irmão não se mexia mais, seus olhos estavam abertos, a boca torta de uma maneira anormal. Havia um buraco em sua testa... por onde passava uma estaca de gelo e, daquele buraco, escorria o sangue que praticamente o afogava. Suas costas também doíam, coçava, como se algo tentasse rasgar sua pele...

Se não tivesse corrido pela floresta... se não tivesse tentado brincar de se esconder... nada disso teria acontecido.

Era sua culpa.

Era sua culpa.

Era sua culpa.

Ao redor de seu corpo, havia um círculo de gelo e, de suas pontas, saíam centenas de estacas. De alguma forma... sabia que aquilo saíra de si.

Era sua culpa, era sua culpa, era sua culpa, era sua culpa, era sua culpa, era sua culpa, era sua culpa, era sua culpa, era sua culpa, era sua culpa, era sua culpa, era sua culpa, era sua culpa, era sua culpa, era sua culpa, era sua culpa, era sua culpa, era sua culpa, era sua culpa, era sua culpa, era sua culpa, era sua culpa, era sua culpa...

***

— Mamãe, a senhora não se lembra de mim?!

Yuren tinha apenas seis anos quando tentava segurar as vestes de uma mulher de longos cabelos pretos e ondulados que, provavelmente em seus dias de saúde e jovialidade, atraía todos os olhares por sua beleza incomparável. Seus olhos castanhos, antes tão brilhantes, haviam perdido a cor... agora, deitada em uma cama hospitalar, isolada de todos a sua volta, ela sequer conseguia lembrar de seu filho.

— Yuren, vamos! — Dizia seu pai, puxando-o pelos pulsos.

— Niko...? Yuren...? — Falou a mulher vagarosamente, olhando para os lados em completa confusão. — Onde estão meus filhos...?

— Mamãe, eu estou aqui! Papai, me solta! Por favor! — Gritava o menino, esperneando em meio às lágrimas.

— Não, você não é meu bebê... onde estão meus bebês?! ONDE ESTÃO MEUS BEBÊS?! — Ela gritou, tentando levantar da cama. Sua magia completamente descontrolada fazia objetos voarem por todos os cantos. Alguns magos que ali se encontravam tentavam prendê-la novamente sobre a cama.

Aquela mulher, que antes embalava Yuren em seus braços com canções encantadoras, mesmo já sendo um menino grandinho, não era mais capaz de reconhecê-lo... após a perda de tantos filhos, sua mente adoeceu e nada mais poderia salvá-la de seus próprios monstros interiores.

— Viu, garoto?! Vamos embora, não há nada mais aqui para você! — Então, o Governador tomou o corpo do filho em seus braços, segurando-o com força no colo. Yuren, após alguns segundos ouvindo a própria mãe em desesperado, desistiu de lutar. Era pequeno demais... fraco demais...

Então, a criança apenas chorou, deitando o rosto no ombro do pai que o levava para longe da mulher que antes lhe contava histórias, lhe ensinava a cantar e que dedicava seu coração a ele e a seu irmão mais velho...

Histórias de Sol e LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora