Deuses

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O aroma de legumes e cogumelos salteados e frutos do mar preenchiam aquele casebre de madeira no meio do lago. Em cima da bancadinha, logo ao lado do fogãozinho a lenha, estavam diversas conchas abertas que usaria mais tarde para algumas poções.

Rohan não se deslocava sempre até a praia, não era tão perto, apesar de poder chegar rápido com ajuda de Azuri, mas quase nunca tinha tempo suficiente em seu dia para fazer vários mergulhos e capturar aquelas ostras e moluscos. Gostava de estar em contato com o mar, mesmo que não pudesse estar sempre por perto. Sentir a areia sobre seus pés e o cheiro do oceano fazia com que lembrasse um pouco de dias mais simples, mais gentis.

Após mais algum tempo cozinhando, encheu um prato com a comida e sentou em sua mesinha para comer, mas sequer chegou a levar qualquer coisa à boca pois pensou que Yuren pudesse voltar a qualquer momento, certo? Já haviam se passado umas oito horas desde que se despediram na praia, imaginava que talvez ele estivesse voltando. Mesmo com fome, resolveu colocar o prato em cima da bancada, cobrindo-o com um cestinho de vime.

Então, para se distrair, sentou na cama com sua kalimba em mãos, deslizando os dedos pelas notas aleatoriamente, pensando no que tocar. Encostou um pouco mais as costas contra a parede, dobrando as pernas e ficou pensativo até que decidiu por uma canção que, vez ou outra, parecia brotar em sua mente acima das outras. Não lembrava ao certo quando e como aprendeu a melodia, seu único parâmetro menos nebuloso era entre seus onze e dezoito anos, o que não respondia muita coisa.

Era engraçado, contudo, como sabia tocá-la com facilidade. Ela era suave e passava um sentimento de nostalgia, Rohan sentia seu coração se agitar, ao mesmo tempo que o acalmava.

Ao terminar de tocar a música, o mago abaixou o instrumento e deu um sorriso, encostando a cabeça na parede.

— Não vai anunciar sua chegada? — Houve silêncio, mas Rohan insistiu. — A porta está aberta!

Após mais alguns segundos, ouviu a porta abrir. O homem de branco apareceu atrás dela, parecendo acanhado, com a cabeça voltada mais para o chão, talvez evitando olhar para seu rosto.

— Há quanto tempo estava lá fora? — Questionou o mago, apoiando o cotovelo direito na perna e o rosto na mão de mesmo lado, observando o comportamento do outro homem.

— Eu não queria interromper. — Ele murmurou com a voz rouca, virando o rosto para outro canto da casa, como se quisesse lhe dar privacidade. Rohan olhou para a própria roupa, pensando se estava bem vestido ou não até notar que a parte de cima de suas vestes estava, de fato, aberta.

Eles eram dois homens, pensou. Não deveria ser um problema, certo? Mas Rohan limpou a garganta, fechando a roupa e se levantando da cama. Yuren ainda parecia evitar o contato visual, então deixou com que o bruxo se sentisse à vontade em seu tempo para virar por vontade própria. Resolveu, então, requentar a comida.

— Estava esperando para que pudéssemos comer. — Comentou, tentando quebrar o clima estranho.

— Você poderia ter comido antes, não precisava me esperar. — Disse Yuren, parecendo ter normalizado sua voz.

— Eu quis esperar. — Respondeu com delicadeza, sem querer parecer grosseiro, e, sim, gentil. — E também já estou acostumado a ficar horas sem comer direito, geralmente como algum biscoito ou sementes estouradas na panela quando estou trabalhando. Se estou coletando plantas, mastigo alguma coisa no meio do caminho. Aqui, tome. — Rohan empurrou um prato nas mãos de Yuren. — Vamos nos sentar, espero que goste de ostras e cogumelos. Dessa vez usei só tomates, cenouras, pimentões e temperos comuns, eu juro!

Yuren, que havia se sentado quando lhe foi dito, pareceu enrijecer o corpo novamente. Oh, não... parecia ser aquele mesmo comportamento de quando ele não quis provar as geléia e chá. Rohan estava pronto para tentar argumentar com ele de novo, talvez preparar alguma outra coisa, quando viu as mãos trêmulas do bruxo tocarem a colher de madeira e, muito, muito hesitante, levar um pouquinho de comida à boca.

Histórias de Sol e LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora