Entre as Páginas

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Rohan estava parado em meio a altas pilastras de mármore erguidos em um círculo grande. Não havia teto, as nuvens que cobriam todo o céu eram de um tom bordô e umas poucas pretas que se mesclavam a elas e isto, obviamente, cobria a maior parte da luz natural que deveria iluminar o local, mas, para suprir essa necessidade, castiçais estavam espalhados por alguns cantos, revelando aos poucos um pouco mais do cenário onde se encontrava e percebendo que Yuren não estava mais ao seu lado.

Tentou controlar as batidas de seu coração para que não fosse tomado por um sentimento de desespero que crescia como marteladas a cada palpitação. Levantou uma das mãos para as costas, mas percebeu que seu cajado não estava mais ali e que, na verdade, não havia mais uma camisa em seu corpo.

Suas asas se abriram delicadamente, não o suficiente para criar uma grande envergadura, mas as pessoas que eram iluminadas pelas chamas pareciam interessadas nelas. Estas pessoas não possuíam rostos, apesar das vozes que emitiam e, apesar das vozes, não pareciam falar qualquer coisa compreensível.

Rohan deu um passo à frente, vasculhando visualmente onde poderia estar Yuren, mas, quanto mais andava cautelosamente, mais via as figuras sem rostos em situações perturbadoras.

De início, várias estavam bebendo, caindo pelos cantos como se tivessem tomado álcool demais para que tivessem consciência de onde estavam e muitas destas vomitavam pelos cantos, resultando em um ar mal cheiroso que era obrigado a respirar. Então, o cenário mudou: agora pessoas nuas que mantinham relações íntimas de várias formas. Eles riam e paravam apenas para apontar para si, Rohan sentia que alguns pareciam chamá-lo para que se juntasse. Mais a frente, pessoas brigavam entre si, mas elas também pareciam felizes... estas brigas escalonavam de lutas com punhos para pessoas que esfaqueavam um corpo já sem vida diversas vezes.

Resolveu apressar o passo, sentindo o desespero finalmente quebrar a barreira de sua calma aos poucos. Onde estaria Yuren? Tinha medo de gritar, medo de despertar atenção daqueles ali pois, de alguma forma, sabia que sua magia não funcionaria naquele lugar.

O cenário que havia chegado agora mostrava pessoas nuas, desnutridas, com suas cabeças maiores que seus corpos, peles secas mostrando os ossos e barrigas estranhamente redondas. Porém, elas comiam pedaços de carne vermelha, aparentemente cruas. O som do mastigar era alto e todos, absolutamente todos, olhavam em sua direção com olhares fixos, esbugalhados. Havia moscas que os rondavam, pousando até mesmo nos olhos muito abertos ou entrando nas bocas que se abriam apenas para puxar mais um pedaço do que devoravam.

Não era possível saber se aquela carne era feita do que viria a seguir, mas com certeza era algo que não gostaria de descobrir. As pessoas famintas ficaram para trás, dando lugar a pessoas cobertas de sangue dos abates que faziam. Frangos, porcos, ratos, gatos, cachorros eram esquartejados. Seus gritos eram estridentes e horripilantes e Rohan pensou que iria desmaiar a qualquer momento. Quis vomitar e gritar, mas respirou fundo para tentar manter a pouca calma que ainda possuía e decidiu correr.

Então, sentiu cheiro de pólvora e sangue.

Tiros explodiram em seus ouvidos. Gritos de crianças e corpos caindo a sua frente perturbam ainda mais sua mente. Sentia em seu peito os buracos das balas, mesmo que não houvesse uma gota de sangue sequer, ou qualquer perfuração. Precisava passar por aquela câmara, precisava ir embora, precisava parar de ouvir os tiros...

A próxima câmara era quieta, mais escura do que as anteriores, esta escuridão parecia possuir um peso macabro, fazendo-o curvar o corpo para frente em cansaço. Não havia mais pessoas preenchendo as laterais do cômodo e, sim, uma luz mais adiante onde era possível avistar apenas uma pessoa com algo nos braços.

Rohan continuou andando, voltar não era uma opção, precisava seguir em frente. Com a aproximação, uma figura magra, com pele esverdeada e vômito escorrendo de seu queixo, misturado a sangue, olhava para o nada. Seus cabelos eram escuros como corvos, ondulados, cheios e desciam longos por seus ombros e costas. Havia uma muleta ao lado da cadeira que ocupava e sangue escorria por trás de seu corpo.

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