CAPÍTULO 04 | "Maldito clichê"

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DAFNE

Termino de ajeitar a mochila com um desânimo pós almoço. O silêncio da casa que se faz mais presente no quarto no início da tarde, me empurrando quase que em direção a um sentimento de melancolia, talvez um reflexo dos sentimentos que me assolaram nos últimos dias e adaptação à casa nova. Mesmo entre sorrisos de Lorenzo e convites de Déborah para assistirmos algum filme juntas, era o desgosto de Odeth e Henrique que me perturbava assim que deitava a cabeça no travesseiro. Pois, embora não abaixasse a cabeça para eles, no fundo nada me deixava esquecer que não pertencia àquela casa, em especial pelas circunstâncias que me mantinham ali.

Apoio as mãos no carpete azul do quarto e sinto vontade de espalhar o corpo por ele, olhando para o teto, me permitindo sentir nada e fingindo que tudo é como no meu último aniversário. No entanto, a van de ida a Búzios chegaria a duas horas, me levando para quilômetros da quietude para ficar um final de semana inteiro no meio de um bando de gente que não simpatizava. A verdade é que, embora tenha demonstrado interesse em ir àquela viagem para irritar Henrique, no fundo duvidava que Lorenzo atendesse à minha vontade. No entanto, o pai da loira do tchan não era como o meu que evitava firmar compromissos, então talvez eu estivesse bastante acostumada com a ideia de que nunca tivesse promessas realmente cumpridas, com isso, acabei não preparando psicologicamente para enfrentar os dias que viriam.

Tempestade abana o rabo e se aproxima de mim pedindo afago ao me ver permitir os ombros caírem. Ela estava bastante próxima a mim desde que falei com Joana através do telefone do meu pai, era como se entendesse meus sentimentos sem que precisasse falar sobre eles ou explicá-los, me fornecendo o apoio necessário no momento em que me sentia mais sozinha do que nunca. Depois daquele episódio, fui para o meu quarto e chorei muito à medida que revivia as lembranças de quando mamãe era viva, pensando nas vezes que meus pais desejaram me dar um irmão e em como seria horrível que esse sonho fosse realizado pela minha madrasta.

— Se isso acontecer, ele vai me esquecer de vez. — Afago os pelos de Tempestade olhando para o nada.

Joana nem gostava de criança, para ela, o choro ou qualquer atitude que requeresse cuidados, representava uma ameaça aos seu bem-estar. Em contrapartida, costumava passar as tarde no salão ou shopping, fazendo selfies e se gabando para suas amigas de aparências que ela fazia questão de impressionar. Em casa e longe das vistas de papai, tecia elogios para si mesma, recriminando minha forma de vestir e alegando que nenhum garoto me veria vestida dessa forma. Isso contribuiu para minha autoestima declinar, me importando com a opinião de pessoas que não se importavam comigo. E se mamãe estivesse viva? Ela costumava se vestir tão bem e destacava os lábios com maestria sentada à penteadeira, abrindo um sorriso largo ao me ver e marcando minha bochecha dos dois lados com seus beijos. Naquela época papai ficava parado na porta, nos observando com amor e admiração, no tempo em que ele me ouvia...

"Isso não é assunto para se tratar por mensagem." Essa foi a única coisa que disse depois de visualizar minhas mensagens após dois dias. Talvez ele saiba que você está bem através de Lorenzo. Quem sabe ele não cuide de você mesmo que de longe. Tentava me enganar, apesar de que nem eu mesma acreditava. Papai não me enxergava há muito tempo, a vinda de um possível filho só evidenciaria isso e, disputar o carinho dele com alguém do meu sangue, ainda que parte de Joana, me destruiria.

— Vamos! — Reúno coragem, prendendo a coleira nas costas de Tempestade e deixamos o quarto assim que recebo uma mensagem do hotel para cachorros que veio buscá-la.

Minha pet parece animada com a ideia de passear, em contrapartida, meu coração se aperta ao pensar que vamos passar quase três dias longe uma da outra. A hipótese de mantê-la na casa dos Borges na minha ausência estava descartada mesmo esse fosse um desejo, contudo, não queria outra encrenca com Odeth ou alguma possibilidade dela separar nós duas, afinal, ela era a dona da casa. De problemas já bastava seu filho, que me alfinetava o tempo inteiro e que me levou à coordenação da escola depois da agressão na quadra esportiva.

O erro do cupido • Série Estúpida Paixão | LIVRO 01Onde histórias criam vida. Descubra agora