DAFNE
Termino de abotoar minha camisa e passo as mãos pelos cabelos, permitindo que meu olhar pouse sobre um retrato que imprimi de Tempestade há três dias... Ainda à sua procura e com o coração vagando pelo seu paradeiro, tive parte das minhas emoções drenadas para o luto de João Lucas. Embora não fôssemos mais amigos e o episódio do fundamental ainda pairasse no ar, a circunstância que vivia reavivou em mim as lembranças do quanto foi doloroso dizer adeus à minha mãe, então ao vê-lo quase implorar para que eu o acompanhasse no velório, não me concedeu outra escolha.
Permaneci ao seu lado o tempo todo, notando a curiosidade de alguns mais acentuada do que a empatia, a proatividade de outros e arrependimento no rosto de Volmir, pai de João Lucas. Ele parecia desgostoso, torcendo a boca como se estivesse chateado consigo mesmo enquanto sua esposa sussurra algo em seu ouvido e alisa seu ombro, evidenciando a diferença gritante de idade entre os dois. Ao lado do caixão no jardim gramado, uma mulher experiente limpava os olhos com rapidez e subia seus óculos escuros de volta, como se o direito de lamentar lhe fosse negado. Isso me intrigou ainda mais quando flagrei João Lucas fitando-a com o olhar pesaroso, respirando fundo e a varrendo com os olhos à medida que se afastava do seio da despedida. Mais tarde, quando enquanto o caixão descia até a cova, JL virou-se contra o meu peito feito uma criança desolada, chorando de forma copiosa e chegando a soluçar. Pisquei os olhos consternados, afagando sua nuca pela disparidade de altura que havia entre nós e, recobrando a dor que experimentei quando mamãe partiu, meus olhos se encheram d'água, fazendo-me chorar junto com ele, mas baixinho e na intimidade daquela dor que jamais ia embora, que apenas haviam dias em que falava mais baixo e outros mais alto.
No funeral havia alguns rostos conhecidos, como uma turma da escola e a família de Henrique, que apresentou-se tão calada quanto solícita. Déborah falava com o olhar, oferecendo um copo de água com açúcar a João Lucas quando ele sentou na grama, levando as mãos ao rosto e chorando mais um pouco pela certeza da despedida. Aos poucos, as pessoas se despediam quando o padre já só observava as últimas flores serem depositadas no túmulo e foi quando JL murmurou pedindo que ficasse, o que me fez rejeitar a carona que Henrique ofereceu para voltarmos para casa. Permaneci ao seu lado o dia todo, esquecendo por um tempo do passado, apenas lhe entregando empatia e amparo enquanto ele insistia em se culpar por ter maltratado tanto sua mãe quando deixou de morar com ela, sem justificar seus motivos ou explicar como a relação dos dois estavam naquele período.
Assim que João Lucas adormeceu, desci as escadas, encontrando Volmir em uma conversa baixa com Branca, a mulher que mais cedo chorava no caixão de forma discreta. Ele lhe pediu desculpas e admitiu que ela amou muito mais a mãe de João Lucas do que ele fez durante quase quinze anos de casamento. Eu vi nos olhos da mulher que ouvia, uma emoção e um amor para além da amizade, o que me fez saber que elas eram um casal que provavelmente João Lucas nunca aceitou.
Respondo a mensagem de agradecimento de João Lucas e aproveito para perguntar se ele precisa de algo. Meu estômago protesta dado ao horário do jantar e ao fato de que não lanchei, olho ao redor buscando algo e recordo que Tempestade sempre levantava a cabeça ao me ver sair do quarto, me vigiando feito um anjo da guarda. Fico triste de repente e mexo o nariz na expectativa de reprimir possíveis lágrimas, saindo depressa do quarto antes que ceda às emoções.
No segundo lance de escadas, ouço vozes e risadas femininas. Mais parecem as garotas nos corredores do colégio, cochichando segredos e rindo alto para que os que as vissem, ficassem curiosos e elas pudessem lançar olhares tortos. Desço os degraus mais devagar, imaginando que haja alguma visita na sala, tento discernir de quem se trata e sinto um hálito quente na minha nuca que faz meus pêlos ficarem arrepiados. Giro o pescoço assustada, olhando na direção de quem me abordou e encontrando os olhos de Henrique. Sua postura não é simpática e seu olhar beira à hostilidade, a mesma que me oferece enquanto me fitava de longe ao lado de João Lucas.
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O erro do cupido • Série Estúpida Paixão | LIVRO 01
Storie d'amoreDafne Auth Costa é uma garota de estilo tomboy que acabou de completar 17 anos, órfã de mãe e com um pai ausente, ela faz um inferno na vida de sua madrasta. A convivência que já era difícil, se torna insustentável quando a jovem cede a casa da famí...