Capítulo 27 - Juliana

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- Ela ficou em repouso por muito tempo – diz o psicólogo Ricardo – Deve comer bastante arroz e feijão e dar algumas caminhadas. Além de beber bastante água.

Raul, Juliana, Lina e Gus assentem.

- Além disso – diz ele – Peço que mantenham um clima tranquilo pelo máximo tempo que conseguirem. Não voltem a gritar, ok?

A família assente novamente.

- E a senhorita – Ricardo aponta para Lina – Vai se encontrar comigo a cada duas semanas. Mas apenas no começo, depois, podemos voltar para as consultas mensais.

Lina assente e agradece o médico.

Raul e Juliana o levam até a porta.

- Juliana – começa Ricardo – Converse com sua filha. Entenda o lado dela. Saiba assumir seus erros. E... – ele hesita – A sexualidade não é uma questão de escolha entende? Então, ficar brava só vai afastá-la. Pense bem.

Juliana assente.

- E sobre o racismo... não preciso nem falar que é desprezível né? – o tom do médico era frio – Espero que a senhora tenha pensado muito bem no assunto.

Juliana assente e abaixa a cabeça, envergonhada.

- Obrigada por todo o apoio doutor – diz Raul, apertando a mão de Ricardo.

- Qualquer coisa, me liguem – ele diz.

- Espero não precisarmos – diz Raul.

- Eu também, Raul. Eu também – concorda Ricardo.

Assim que o médico sai, Raul sobe as escadas, deixando sua esposa sozinha. Os dois andaram brigando por causa das reações de Juliana. Ela ainda não falara com sua filha.

Por alguns dias, Juliana pensa sobre a fala do médico Ricardo e sobre Ingrid. Quando viu a garota cantar para Lina e tirá-la do shutdown, todos seus medos sobre ela desapareceram. Ela viu que Ingrid se importava de verdade.

Se sentiu horrível quando percebeu que realmente foi racista. Mas estava disposta a mudar isso, porque o racismo é nojento.

Juliana pesquisou e leu sobre sexualidade. Descobriu que o médico tinha razão, não era uma escolha.

Quando mais lia, mais estúpida se sentia. Como pôde ficar brava com sua filha por algo que nem foi escolha dela? Ela se sentiu culpada, por tê-la feito sofrer tanto.

Decidiu falar com ela. E esperava que Lina gritasse, ela certamente mereceria.

Juliana subiu as escadas, respirou fundo e bateu à porta.

- Pode entrar! – disseram Gus e Lina, juntos.

Ela abriu a porta e viu apenas a sombra do sorriso que antes estivera no rosto de sua filha. Ela abaixou o rosto e começou a mexer com o cobertor.

- Pode nos dar licença, Gus? – perguntou Juliana.

Gus assente, se levanta e fecha a porta. Juliana não escuta seus passos descendo a escada, ou seja, ele estava escutando atrás da porta.

"Depois" – pensa a mãe.

- Lina, minha filha – começa ela – Eu tenho muito com que me desculpar.

Lina levanta a cabeça e olha sua mãe nos olhos – A senhora? Se desculpar?

- Sim – Juliana assente – Sei que quase nunca fiz isso.

- Na verdade, a senhora nunca fez isso – sussurra Lina.

Juliana suspira, mas não diz nada, sentindo que merecia - Mas agora, é a minha obrigação. Eu sinto que cometi um erro terrível. Por ter sido racista por um tempo e por julgá-la por algo que nem ao menos foi escolha sua. E, além disso, você estava com uma garota incrível. Que se preocupava de verdade. Diferente de mim na sua idade...

- Mãe! – um resquício de sorriso aparece no rosto de Lina.

- Desculpe – Juliana sorri – Só quero dizer que... sinto muito. Ingrid é incrível, e... talvez eu demore para me acostumar, mas, a minha obrigação é aceitar. Porque eu te amo filha. Eu sempre te amarei do jeito que você é. Me perdoe.

Lina sorri – Obrigada por dizer isso, mãe. Me tirou um peso do peito.

- Falando nisso, me perdoe por ter gritado naquela vez. Me desculpe por não ter percebido que você cresceu e se tornou independente. Eu estava com medo de você não precisar mais de mim.

- Sente-se aqui, mãe – diz Lina, apontando para sua cama.

Juliana se senta ao seu lado.

- Eu sempre vou precisar da senhora – continua Lina – Só que agora, eu posso fazer cocô sozinha. Ir ao shopping sozinha. Lidar com o autismo sozinha. – Ela faz uma pausa – Bom... nessa parte, nem sempre, porque em crises como a que eu tive, vou precisar de mais pessoas ao meu redor. Isso prova que eu ainda vou precisar da senhora. Só que agora, quero ficar mais sozinha, para me sentir independente e livre.

- Eu sei – concorda Juliana – Eu já senti isso.

- Viu? – Lina ri.

Juliana a abraça – Me desculpe.

Lina retribui – Me desculpe também.

- Mãe? – chama Lina, depois de alguns minutos abraçada – Pode chamar o pai e o Gus aqui?

A mãe assente.

- Ah não – diz Lina, mudando de ideia – Eu vou.

Ela se levanta e alguns segundos depois aparece com Raul e Gus no quarto.

- Vou contar uma coisa para vocês – começa Lina – Eu gosto de garotas.

Sua família assente.

- Sempre gostei. Desde criança. Mas só tive certeza quando conheci Ingrid... eu gosto muito dela. Sério. Nunca senti isso por ninguém.

- Ah filha – diz Raul – Vem aqui.

Ele a abraça – Obrigada por me contar.

Logo depois, Juliana e Gus se juntam ao abraço.

Depois de alguns minutos, ainda abraçados, Juliana pergunta:

- Tem alguém que gosta de homem aqui? Além de mim? – Lina e Gus levantam a sobrancelha com essa pergunta, Gus, porém, confessa:

- Eu gosto de garotas – ele faz uma pausa – e garotos.

Raul assente, mas Juliana olha para seu filho.

- Faz sentido – ela assente e volta para o abraço.

- Eu amo vocês – diz Lina.

- Eu amo vocês – dizem Juliana e Raul.

- Amo vocês – diz Gus, com a voz abafada.

- Gus, temos que falar sobre o problema que é ficar ouvindo conversas atrás da porta... – começa Juliana.

- Estamos em um momento fofo, mãe! – diz Gus – Lembra? 

Quando a noite se torna eternaOnde histórias criam vida. Descubra agora