Capítulo 9

16 1 0
                                    

Bento

      A sessão de químio acabou faz um tempo, almocei e vomitei. Tudo normal

       Às vezes acontece, vomitar depois da quimioterapia, efeitos colaterais

      Meu irmão continua aqui

- Cara - digo - , você não vai trabalhar nunca não? Você só anda comigo

       Ele revira os olhos como se eu estivesse falando a coisa mais óbvia do mundo - como se não fosse -

- Em primeiro lugar: não sabia que você tá incomodado com a minha presença - tento interromper mas ele faz um gesto para parar -, mas eu estou nem aí. Segundo: minha carreira meio que não está tão boa como antes e, - ele me olha, como se eu fosse um boneco de cristal - estamos nessa junto, não é?

       Desarrumo o cabelo dele em resposta

- Você deveria focar na sua carreira, em vez de tá aqui comigo. Já ia me livrar - digo, a última parte de brincadeira

        Ele ri

- Tô falando sério, não aguento mais e, sinceramente você passa mais tempo comigo do que qualquer coisa nessa vida

        Ele ri de novo

- Idiota, se você realmente não gosta da minha companhia, fica sozinho então 

      Reviro os olhos e uma anciã de vomito passa por mim

      Uma coisa que tive que me acostumar: vomitar. Odeio, odeio a sensação de um liguido nojento passando pela a minha garganta. Mas, com a chegada do câncer isso é normal. Mais normal ainda é tomar remédio para não vomitar

         Me ajeito na cama e pego o livro que deixei marcado com um lápis

- De novo você vai me ignorar e colocar o livro na sua mão? - ele pergunta, o que faz meu olhar voltar para ele

- Me deixa

        Ele vai para janela e, exclama

- A garota bonita que fez você cair tá fazendo uma cena nos jardins! - ele diz, assinto - Ela é bem bonita, e pelo o que eu vi, você e ela se deram bem. Vai falar com ela

       Meu olhar -que agora é de pura surpresa- é recolocado para ele

- Eu não saio do quarto dês de ontem. Por que eu vou sair agora? Só porque tem uma garota bonita? E, ainda mais, cara, ela tá ocupada e eu também

       Ele me ignora e continua a falar:

- Sabe, você já namorou várias garotas - várias são duas: uma quando eu tinha catorze anos, o que quer dizer que era um namoro de adolescentes descobrindo a adolescência, então não era nada sério. E outro eu tinha dezesseis, namoro mais sério mas que não durou um ano -, então você já tem o jeito. Vai tentar falar com ela

      Reviro os olhos de novo

- Primeiramente: você tá insuportável hoje! Você é todo o dia, mas, hoje você tá batendo o recorde. Segundo: eu não tô nem afim de querer falar com ninguém, é sério. Quem também falaria com um doente? Obrigado

     Seu olhar agora claramente é de pena. Pena

- Não sinta dó- digo -, eu já estou acostumado. Então vai você falar com ela

      Ele cruza os braços, e apoia as costas na janela

- Ok, mas, eu observei e a sua roseira está precisando de água - ele diz, e me ergue uma das sobrancelhas - Você terá que ir querendo ou não

      Fecho o livro

- Eles não colocaram água? Eu estava muito ocupado essa semana. Ah, não - me levanto imediatamente. Uma blusa branca, com as costas escrito: "Jude, Jude, Jude, Jude, Jude...", está ruim para a ocasião?

      Coloco meu sapato mais próximo e pego a minha máscara

- Caraca - meu irmão murmura - Você se interessa mais em rosas do que em pessoas

      Sou horrível em jardinagem. Mas, podemos dizer que colocar água nos dias certos eu sei. Falei com o jardineiro do hospital e pedi para que eu colocasse água na roseira branca

       É, ele levou bem a sério. Agradeço por ter chovido três dias antes

      Por que? Qual motivo? Não me pergunte, eu só gosto. Quer dizer, ela é muito bonita e, certamente se eu me interessasse por fotografia eu passaria horas fotografando. Ela é muito bonita. Suas rosas são bem fechadas e seu caule espinhoso. Frágil mas, protegida

      Eu comecei a nota-la quando eu ia ler no banco que tem ao lado, então eu comecei a colocar água e às vezes -quase nunca- fazer algo a mais

- Você pode ficar aqui? - pergunto - Se sim, cuida dos meus livros e se não, sai logo pra eu trancar a porta

       Ele se senta na minha cama, tirando os sapatos e colocando o pé em cima

      Pega o livro que estou lendo e começa a folhear

- Cuidado - aviso

     Fecho a porta

     Vou pelo elevador. Não quero descer dois andares

      As portas abrem e, eu já vou direto para as portas duplas

- Corta! - escuto aquela voz insuportável da diretora dizer - Uma pausa. Susanah, vê se você não fica perambulando pelo o jardim. E, Gabriel, vê se você não fica os vinte minutos no banheiro

- Sim, senhora - a garota com quem esbarro fala. Sua voz levemente desanimada, bem diferente da última vez que a ouvi falar

      Ela me vê quando as portas correntes abrem. Ela acena e eu aceno de volta

      O regador está ao lado da porta, no mesmo lugar de sempre. O pego, indo colocar água em uma torneira perto da roseira

- Não, Susanah. O melhor é que você não tire a camisola, isso iria atrasar a outra cena. Depois, você troca de figurino

       Ignoro. E depois de uns dez? Quinze? Sei lá quantos passos eu já estou enchendo o regador

       A terra da planta parece seca. Umedecer é o suficiente

       Pego o regador cheio e lentamente vou despejando a água na terra

      A rosa tem um lindo contraste com o verde escuro das folhas, caules e espinhos.

     Coloco a água, o suficiente para umedecer o solo

      Me viro, lentamente, e me assusto ao ver a Susanah, a garota que me derrubou,  atrás de mim. Seus olhos marejados me fazem franzi a testa

      E, quando eu iria perguntar se está tudo bem, ela sai correndo
     
     

WHITE ROSE GARDENS · HELOISA CARDOSOOnde histórias criam vida. Descubra agora