Capítulo 6

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Bento

       Encarando a câmera, espero que a máscara esconda pelo menos um pouco do meu desconforto

       Não sou tão chegado a câmeras, prefiro ficar em lugares mais quietos, com livros e pessoas, não câmeras. Digo, pessoas que me fazem me sentir bem

- Você tem que contar a sua história - a diretora diz, e, por sinal, a voz dela é um pouco -bastante- irritante - Tipo, quando você descobriu a doença, idade, nome... Essas coisas

   "Essas coisas". Não fui com a cara dessa mulher

    Assinto, e acomodo as minhas costas na cadeira de plástico

- Bom - começo - Tenho dezenove anos e descubri a leucemia faz pouco tempo, mas até que ando reagindo bem a quimio - o que eu digo mais? - Bento, meu nome

       Lembro que as pessoas na minha frente falaram o que gostam, descobri até que uma garota ama construções de madeira e um garoto que gosta de agulhas

- Amo livros, e carimbá-los está sendo um novo hobby. Mesmo com o câncer, eu ainda gosto de maratonar canais culinários

    Deus. Isso já tá bom?

- E acho que isso é só - digo, fingindo querer ficar duas horas contando "a sua história". Acho que não
     Aquela diretora começou a falar que o tempo não foi suficiente e blá blá blá. Minha atenção estava na garota que me derrubou

     Sua pele morena parece que foi pintada por um artista e, meu Pai, como ela consegue ficar linda de cabelo raspado e eu feio?

     Ela parece estar bem concentrada no que está fazendo. O que parece bom, espero

- Você está prestando atenção no que eu tô falando? - Essa tal diretora diz ou melhor quase grita e, é eu não estava prestando atenção. E mesmo que aquela garota não estivesse fazendo uma cena do outro lado da sala eu também não estaria prestando atenção

    Pisco algumas vezes antes de responder

- Eu estava - minto - E não, eu não quero continuar, eu já falei tudo o que precisava

     Eu não estou mentindo, estou? Eu disse o que todo mundo disse, só não disse tão detalhadamente. E eu não consigo me sentir bem com tantos equipamentos de filmagens perto de mim, simples

- Já acabou, certo? - Matias diz, meu gêmeo

     Vejo que a diretora quer mandar a gente para aquele lugar mas se segura, e eu me seguro para não soltar algum risinho

       Ela assente e eu me levanto. Eu e Matias um do lado do outro andando

     Nossa mãe aparece na nossa frente, do nada

- Poderia ter dito mais - ela diz, ajeitando a manga da minha camisa

- "Poderia ter dito mais"... Profundo, bem profundo - meu irmão diz

    Solto um riso fraco. Que besta

- Acho que foi o suficiente - digo, tocando no ombro da minha mãe - Agora posso voltar? Daqui a pouco a Joana vai trazer aquele bando de drogas e eu vou apagar

    Minha mãe assente, e aperta o meu braço

- Amanhã eu volto, mas agora eu preciso ir também, se eu for contar o que eu passo naquele trabalho você me chamaria para tomar essas "drogas" que deixam você apagar

- Não queira - aviso. Me viro para o meu irmão - E você, vai ficar comigo ou vai embora

- Te abandonarei. Mas, antes, aquela garota que derrubou você é bem bonita

    Assinto

- Concordo, mas nem a conheço, então não tem nada a ver

    Ele revira os olhos, o que me faz soltar um riso sem sentido

     Me despeço deles e sigo pela a escada
  

WHITE ROSE GARDENS · HELOISA CARDOSOOnde histórias criam vida. Descubra agora