17. Desassossego da Alma

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🫀

Estava atrasado para o trabalho. Correndo como uma louca para me arrumar. Tomei um banho mais ou menos, só para hidratar o cabelo e tirar o suor do corpo, o qual fora causado pelos terríveis pesadelos. Esfrego o rosto para me livrar dos resquícios de maquiagem da noite passada. Uma inhaca encrustada nos meus cílios.

Seria uma bela lição de vida se eu acordasse com uma bela espinha dos infernos. Ao invés disso, tudo que me perturbava era a ressaca física e moral.

A noite anterior fora um sonho bizarro. Mas essa é a vida como ela é. Trabalho, estudo, família e amores... se é que ele existe neste século. Mas penso que o importando é focar no plano, se eu continuasse a repetir eles para mim mesma, um dia, tudo havia de se encaixar.

Roberta não era muito burocrática sobre oque vestíamos no café, tudo oque exigia era a blusa do uniforme. Suas raizes são alternativas. Ela planejou ser artesã, mas acabou herdando o café da sua tia no bairro nobre.

O desenvolvimento urbano valorizou o preço imobiliário, e Roberta se tornou uma mulher de negócios, muito bem-sucedida. Então ela fazia exposições das suas artes no café, que acabavam embelezando o ambiente. Vários clientes se interessavam pela decoração, e aí, automaticamente ela conseguia vender muitas das suas obras por lá.

A linda mulher de meia idade se dispunha a me ajudar por anos, se apropriando do mérito de uma "segunda mãe". Uma pessoa na qual, independente da situação deplorável da minha vida amorosa ou financeira, sabia que sempre podia contar. Acho que nunca conseguiria arranjar uma chefe melhor. Mas um atraso, sempre é um atraso. Nada bom.

Fiquei acordada me preocupando sobre o ocorrido com Filipe naquele beco. Revivi o momento em que ele disse que ainda nos considerava casados. Dormir teria sido muito mais benéfico.  Uma pena meu cérebro não ter um botão de desligar.

Vesti uma calça Jogger cós alta, a blusa do café e o Air force de cada dia. Pronta.
Nada disfarçaria as fundas olheiras em meu rosto, mas com quase um tubo de corretivo consegui clarear levemente o chupão em meu pescoço. As pessoas já estavam acostumadas as minhas olheiras, mas nunca com os hematomas sexuais.

Saio apressada do quarto com a pequena mochila nas mãos e passo pela sala em direção a porta, bem a tempo de Sofia flanar para fora da cozinha com um enorme sorriso no rosto. Estava toda arrumada, de um jeito natural, mas diferente de como estava todas as manhãs, talvez estivesse esperando Marcos. Ou...

- Está atrasada.

- Estou mesmo.

Passo a mochila nos braços, apanho a chave na mesa e bato em retirada. Não tinha tempo para conversas rotineiras. Não naquela hoje, nem nunca. Eu não conseguia imaginar um bom motivo para ela colocar nossa amizade em jogo e se bandear para o lado do Filipe.

Durante um mês inteiro, ela passou muitas noites ao meu lado, deixando-me falar sobre ele até ficar rouca, quando precisava. Porque, em algum momento, as coisa tinham que vir a tona. Todos os dias eu lhe disse que não a merecia, e ela me dava beijos no rosto e me abraçava forte, porque trair nossa amizade agora?

Tomo as escadas com vigor extra.

- Emili, espera - Sofia corre atrás de mim e para na porta do apartamento, quando já estou em cima dos degraus.

Viro-me na direção dela, com as chaves na mão tal como uma arma.

- Tá tudo bem?

- Você contou para ele onde eu estava.

Sra. RetOnde histórias criam vida. Descubra agora