18. Súplica

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Ret e eu não nos falamos mais depois daquilo. Mas, todas as tardes depois do trabalho, ele estava lá, esperando do outro lado da rua. Ele fica observando por trás do vidro fume. Pronto para me perseguir em segurança até minha casa. Isso me irrita, mas eu não me sinto nem um pouco ameaçada.

O ignoro por três dias enquanto ele me segue. Aquele era o quarto dia. Ele trocou seu costumeiro jeans preto por um azul e um novo par de tênis. Mesmo de longe, seu lábio superior e o nariz parecem ainda machucados. Os paparazzi ainda não haviam percebido nada, embora naquele dia alguém tivesse me perguntado se ele estava na cidade.

Seus dias de andar em Porto Alegre sem ser reconhecido provavelmente estavam chegando ao fim. Fico imaginando se ele sabia. Quando não o ignoro do modo costumeiro, ele avança um passo. Depois para. Um caminhão passa entre nós em meio ao transito da cidade. Isso é loucura. Por que ele ainda esta aqui? Por que simplesmente não volta para Carmen? Seguir em frente seria impossível com ele ali. Decisão parcialmente tomada, atravesso a rua no intervalo seguinte do transito, o encontrando na metade da calçada da frente.

-Oi - digo, sem ficar remexendo na alça da bolsa. Só que não. - O que está fazendo aqui, Filipe?

Ele enfia as mãos no bolso, olha em volta.

- Vou acompanhar você até em casa. O mesmo que faço todos os dias.

- Essa é a sua vida agora?

- Acho que sim.

- Porra, Filipe! - digo, resumindo muito bem a situação.- Por que não volta para o Rio?

Os olhos esverdeados me fitam com cautela, e ele não responde de pronto.

- Minha mulher mora aqui.

Meu coração titubeia. A simplicidade da declaração e a sinceridade do seu olhar me pegam desprevenida. Eu não estava tão imune a ele quanto deveria.

- Não podemos continuar com isso. - digo

Ele fica olhando a rua, e não a mim, os ombros caídos.

- Pode andar comigo? Só uma volta. - pede ele.

Assinto. Caminhamos. Nenhum de nós se apressando, mas sim, caminhando devagar diante das vitrines das lojas e dos restaurantes, espiando os bares que começam a abrir para o movimento da noite. Eu tenho a sensaação ruim de que quando parassemos de andar, começariamos a falar, portanto, enrolar me cai muito bem. Noites de verão significam muitas pessoas andando pelas ruas.

Um bar boemio fica numa esquina mais ou menos na metade do caminho aqté minha casa. A música chega á rua, uma antiga canção do Seu Jorge.

Com as mãos ainda enfiaqdas no bolso, Ret indica o bar com o cotovelo.

- Quer tomar alguma coisaq?

Leva um tempo para eu recuperar minha voz.

- Pode ser vai.

Ele me conduz direto atpe uma mesa nos fundos, distante da multidão crescente do pessoal que faz Happy Hour. Pede duas canecas de Moscou Mule. Depois que elas são servidas, ficamos em silencio, bebericando. Após um instante, Filipe tira o boné e o deixa na mesa. Caramba, pobrezinho do rosto dele.

Agora eu o enxergo mais claramente e parece que ele tem os dois olhos roxos. Ficamos os dois, um olhando para o outro, num impasse bizarro. Nenhum de nós fala. O modo como ele me olha, como se também estivesse sofrendo...

Sra. RetOnde histórias criam vida. Descubra agora