Perfeito Caos

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Abro a porta.
O silêncio do lugar me consome por inteiro.
Vou direto para gaveta onde o boneco de papel se encontra, o tiro de lá.
           - Estamos só nós agora.
Pego o isqueiro na bancada, e começo queimar o papel. Instantaneamente minha perna começa quimar junto, ligo a torneira e coloco o papel em baixo da água, apagando o fogo, o papel se regenera como se nada tivesse acontecido, levanto  a calça, e lá está a queimadura ardendo.
Meu corpo inteiro estremece.
Estamos ligados.
A porra do boneco. É um boneco voodoo meu.
O que eu faço?
A porta do apartamento abre-se.
          - Por que veio sozinha?- Nico pergunta com raiva, as meninas estão com ele.
          - Ah... eu não vou explicar isso agora.
          - Kaira.- Rosalie me chama.- O que estava fazendo?
          - O boneco está ligado a mim, somos um só. Não dá para destruir ele sem nada acontecer comigo.- Sinto como se minha sanidade estivesse sendo consumida. - Eu não queria participar disso, e olhem para mim agora. Parece até uma piada.
Jogo o boneco no chão.
Sinto algo encostar em meu ombro, olho, e vejo garras enormes me segurando, gelando cada parte do meu corpo. Sou jogada no chão, minha cabeça acerta o assoalho, minha visão escurece, e volta turva. Enquanto ouço os três gritarem comigo, mas não consigo distinguir as palavras nem me mexer, sinto o gosto do sangue, e o sinto escorrendo quente pelo meu nariz, enquanto levanto a cabeça devagar.
Giulia vem em minha direção.
        - Fica longe...- Peço, estendendo a mão.
        - Kai... - Rosalie vem arrastando a perna até mim.
        - Falei para ficar longe. Ele está aqui, não está vendo?- Pergunto olhando para a criatura alta de garras enormes, e corpo curvando, sem características aparentes, apenas uma escuridão profunda, e olhos parecendo perolas vermelhas, brilhantes. Me arrasto o segurando, antes que ele a pegue.- Rosalie sai...
Ele chuta minha mão. E avança contra ela jogando a loira por cima do sofá, caindo sobre a mesa de centro a deixando em pedaços, ouve-se o estilhaçar do vidro, e o grito da garota.
       - Rosalie...- Nico vai até ela.
       - Giulia, corre...- Grito.
Ela não se move.
       - Eu não vou fugir, Kaira!
       - Não é fugir, é se salvar, e salvar a Rosalie. Nico, tire-as daqui.
       - E você?- Ele pergunta segurando Rosalie.
       - Eu vou ficar bem. - Vejo Yanna, abaixada olhando para mim.
       - É agora, Kaira, esse é o fim.- Ela fala calmamente.
       - Como faço para isso parar?- Pergunto levantando.
       - Sacrifício, ou auto-sacrificio. É uma questão de escolha, elas ou você.
Ela se vai.
       - Kaira... - Rosalie me chama. - Me deixa fazer isso.
       - Eu não posso... não posso... nunca faria isso com vocês, não é justo.
       - Não é justo com você, não estava participando do jogo, não precisa fazer isso.
       - Eu posso resolver isso.
Pego o boneco de papel no chão.
Ela se debate para que Nico a solte, Giulia vem em minha direção correndo, mas a criatura a para, segurando em seu pescoço.
Choro.
Aperto o braço do boneco, o esmagando, fazendo-o solta-la.
Grito.
      - KAIRA PARA!- Giulia pede gritando.
      - Não vem para perto, fica distante, saiam daqui.- Peço.
      - Eu não vou deixar você. Não dessa vez. - Rosalie soluça.
      - Não está me deixando... está me ajudando. E eu agradeço.
      - Kai...- Giulia olha para mim.
      - Gi, por favor...
      - Você tem certeza?
      - Tenho. Agora vai.
Ela dá alguns passos para trás.
      - Você prometeu.
      - E vou tentar cumprir a promessa. Mas preciso que vá, e leve a Rosalie junto.
      - EU NÃO VOU PORRA!- A loira grita, se  livrando do Nico.
Giulia vai até ele.
      - Nós estaremos aqui fora. Você sabe que a Rosalie não vai.- Nico fala, abraçando Giulia, ela chora, escondendo o rosto no peito dele.
      - Eu sei.- Eles saem, a porta tranca-se.
      - Somos só nós, loira.- Ela sorri.
      - Eu não vou a lugar algum sem você.
A temperatura do lugar parece cair. Em um movimento rápido vejo Rosalie jorrando sangue e um corta abrindo-se em sua barriga. O mesmo acontece comigo.
       - Rosalie...
       - Kai...- O vejo aproximando-se dela, então, o paro fazendo cair ao torcer a perna do boneco, me fazendo cair junto.
O choro, junto ao grito parece cortar minha garganta.
       - Eu aceito... abraço meu destino mesmo que seja esse.
       - Não.. não aceita, você não aceita nada. Para com isso, pensava que você era a mais inteligente entre nós.
      - Na verdade é você. Mesmo sendo desse seu jeito, de nós você é a que sabe aproveitar tudo melhor.
Dou um sorrisinho reconfortante.
      - Não... eu não estaria viva se não fosse por você, e pela Giulia, eu não saberia o que fazer. Eu preciso de você, Kaira.
      - Eu não sei se vou está aqui para isso. Mas vou tentar.
Me levanto, não consigo mexer a perna esquerda nem o braço direito.
      - Vamos sair juntas, já que entramos juntas.
      - É...- Pego a faca sobre a bancada, e me arrasto até ela.- Eu tenho argulho do que a gente construiu.
A criatura levata-se atrás dela, cravo a faca no meio do boneco. Meu corpo sede um arrepio me atravessa.
Rosalie vem mancando até mim, ela segura meu corpo, me sentando entre suas pernas. Uma corrente elétrica percorre minhas veias, de forma reconfortante.
       - Kai...?- Sinto as batidas do coração dela fortes, e fora do compasso. A criatura vai sumindo junto comigo, sinto um vazio se instalar em mim, é como se minha mente começasse se mesclar com o nada que existe no papel, ao qual minha vida se uniu, ao qual a destruiu.
Não estarei aqui para ir a outra festa no damas da noite, nem para formatura da Rosalie, ou para qualquer outra coisa, das quais queria participar, eu só sumirei,  minha mente devaga, mas preciso falar algo importante.
       - Estou bem...
       - Kaira!- Ela fala entre dentes, a mandíbula travada de medo, e raiva.
       - Foi divertido. - Dou um sorrisinho. - Eu não queria mostrar fraqueza. Não se preocupe Rosalie... eu me sinto em casa.
       - Não demonstrou... Kai...
Ela me aperta em um abraço. E então,  nesse momento é a última coisa que sinto.

   

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