Trust - Wandinha e Xavier

03

Estou no carro com minha família, indo em direção à escola, como aconteceu no ano passado. Não sinto mais aquele desprezo total com a ideia de passar a maior parte do meu ano lá, mas não estou soltando fogos por isso. Simplesmente me acostumei com a estética de Nunca Mais, que se tornou tão natural para mim que se torna um pouco complicado de desapegar.

Meus pais estão em mais um de seus momentos de fato carinhosos na minha frente, enquanto Tropeço e Feioso estão nos assentos do motorista e do carona, respectivamente. Permaneci calada o trajeto inteiro, mas não estava irritada com nada específico, apenas com as coisas que me deixam irritadas diariamente... o Sol, o Feioso e cenas como as que estou presenciando com meus pais.

Acho curiosa a relação deles e tenho certeza que eles foram... feitos um para o outro, como Enid fala. Ele ama demais minha mãe. Ele morreria por ela e mataria também. Se não me engano, Enid comentou que minha mãe teve muita sorte em encontrar tão facilmente alguém assim, pois essa é a meta da maioria dos relacionamentos interpessoais românticos e muitos passam a vida sem conseguir alcançá-la. Tenho que concordar em parte com ela. Admiti a mim mesma que eu tenho certa admiração pelo relacionamento deles, apesar de não ser algo que me atraia. Não consigo me ver tendo um relacionamento amoroso, nem um casamento ou filhos, como minha mãe, principalmente depois de tudo que ocorreu com o Tyler.

Sei que está repetitivo, mas eu tenho grande entendimento pelo meu lado. Eu confiei nele cegamente, tão cegamente que eu tinha vários sinais que apontavam para ele e mesmo assim, eu não os vi e desconfiei de alguém que nunca me deu motivos exatos para isso. Certo, era bizarro Xavier ter um ateliê cheio de pinturas do Hyde, mas nada nem ninguém naquela escola inteira é normal. Eu, muito menos. Então não estou em posição de julgá-lo no momento.

Meu pai acaba quebrando o silêncio e chamando minha atenção quando vê o tempo se fechando e o Sol desaparecendo entre as nuvens escuras carregadas de desgosto e mágoas. Perfeito. E isso não foi irônico.

— Ah, que maravilha! O dia começou a ficar bonito, como no ano passado, lembra minha viborazinha?

— Ah, é claro! Lembro como se fosse ontem o dia em que viemos deixar Wandinha aqui pela primeira vez... ah, filhinha, você estava adorável com aquele olhar assassino, apesar de estar planejando sua fuga. - respondeu minha mãe.

Eu apenas assenti, não estava com vontade de gastar minha energia com coisas tão inúteis como se comunicar com minha família. Além disso, vou precisar invocar toda a energia que precisar para sobreviver à animação exageradamente irritante de Enid no momento em que eu chegar no quarto.

O carro é estacionado e, com isso, eu e minha família descemos e ficamos parados enquanto Tropeço tirava as coisas de dentro da mala. Feioso parecia correr atrás de alguma criatura pequena e voadora, e meus pais apenas admiravam a arquitetura gótica e antiga da escola. Eu não sabia realmente o que estava sentindo, mas acho que eu não sentia nada. Não tinha acontecido nada que estimulasse reações emocionais em mim até aquele momento.

— Faça memória desprezíveis aqui, minha plantinha carnívora! - meu pai disse e, em seguida, me deu um abraço.

— Tchau, Wandinha. Vou sentir saudades de ser torturado. - continuou Feioso, me dando um abraço que eu retribui hesitantemente.

Meu pai e meu irmão voltaram para o carro e fiquei apenas com minha mãe, que continuou me olhando com algo parecido com ternura e astúcia.

— Lembre-se, querida, que eu estou do seu lado. Eu estarei sempre do seu lado. Se precisar de qualquer coisa, de ajuda com algo, pode me contactar através da bola de cristal. Mas não se feche tanto, Wandinha. Tem um mundo de pessoas incríveis, que talvez queiram te ajudar e acrescentar coisas revigorantes na sua vida.

— Da última vez que eu tentei pensar assim, a pessoa me deu para ser usada como sacrifício humano e depois tentou me matar.

— Nem todas são assim, filhinha. Você vai descobrir mais cedo ou mais tarde, que muitas pessoas se importam com você e querem fazer parte da sua vida, se você permitir. Apenas tente.

— E como eu vou saber quais são essas pessoas?

— Você vai sentir algo que não vai saber explicar. Você só vai sentir. Confie nos seus insitintos, querida. Você é brilhante, Wandinha. Mas cuidado para não se atrapalhar.

Apenas assenti para ela, que sorriu e voltou para dentro do carro. Me virei lentamente e encarei o portão principal de Nunca Mais. Agora não tem mais volta.