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Wandinha Addams

     Eu sempre gostei de funerais. Algo sobre saber que esse é o evento que faz a ficha cair de que essa pessoa não vai mais voltar, não vai mais viver, me atrai muitíssimo. Desde pequena, o clima romântico e mórbido de um enterro me fascinam. Um alívio de saber que essa pessoa teve o pequeno presente de ter tido um fim no seu ciclo vital e que ela nunca mais vai precisar viver as desilusões que circundam a vida terrena sempre me preenche nessas situações.

     Entretanto, não é o caso de hoje. Não sinto tamanha empatia pelo verme que está dentro do caixão agora, sendo transportado para sete palmos do chão a fim de iniciar sua trajetória de ser esquecido pelas pessoas que conviveram com ele.

     A única coisa que eu sinto agora é um inebriante agradecimento. Me sinto grata pelo simples pensamento de que Eric não terá jamais a oportunidade de ser feliz e de fazer quaisquer coisas que ele pudesse fazer para alcançar o sentimento irreal da felicidade. Me sinto grata de saber que quem quer que o matou o fez sofrer muito em seus últimos momentos. Facadas irregulares em várias partes do abdômen, peito, baixo ventre e alguns mais certeiros no rosto e no pescoço. Alívio, era esse o sentimento. Me sentia aliviada em saber que Eric não iria fazer mal a mais ninguém do jeito que ele fez com Kara e quem sabe, outras meninas.

     Kara. Ela merecia um enterro digno. Não esse porco. Ele não merece que gastemos um mísero segundo do nosso tempo contemplando a beleza indescritível de sua morte. Ele provavelmente foi o assassino de Kara e é ele quem está sendo lembrado, homenageado, enquanto o corpo da vampira sequer saiu do necrotério. Faz quase um mês e meio desde que ela morreu e os pais só a viram nos refrigeradores do estabelecimento. Não puderam levar o corpo para casa por ainda estar sob investigação.

     Xavier esteve do meu lado durante todo o enterro, não saiu por um momento, mesmo quando eu estava divagando tanto nos meus pensamentos que era óbvio que minha mente estava em qualquer lugar menos na cerimônia de "luto". E digo luto entre aspas porque poucas pessoas ali realmente aparentavam estar tristes pela morte do lobo. Só a família do miserável lamentava sua "prematura partida". A maioria dos alunos direcionam olhares de alívio, ódio, repulsa e desgosto para o caixão à medida que ele é levado para baixo da terra. Alguns simplesmente não sabiam que tipo de energia mandar para ele e não esboçaram nada. Outros, por outro lado, não escondiam a mistura de todos os insultos possíveis e imagináveis nos olhares. Curiosamente, Ajax e Enid sustentavam esse olhar somado a lágrimas calmas e solitárias, mas frias e cheias do mais genuíno ódio por parte da loira. Esse olhar... lembro de ter conversado com ela sobre Kara e ela se mostrou bem parcial quanto ao seu pensamento sobre Eric. Ela o odiava. Ela pode estar tendo essa reação por causa disso, a vampira era sua amiga. Mas parecia ter algo mais, algo bem mais profundo que ela não tinha coragem ou disposição de confidenciar nem mesmo a mim. Talvez algo que ela vá morrer e levar para o seu túmulo.

     Eu estava odiando aquilo tudo. Controverso, óbvio, mas eu não conseguia me manter focada em nada enquanto aquele homem religioso continuava disparando vários elogios ao defunto, elogios que todos que o conheciam minimamente sabiam ser mentira.

     — Preciso tomar um ar. Não aguento isso tudo. — Falei simples para Xavier, que apenas assentiu e continuou encarando o enterro com um olhar vazio e cansado.

     Me distanciei aos poucos do amontoado de gente e fui para um canto mais calmo do local, tão tranquilo que eu sequer podia ouvir nada da cidade além do som tranquilo da natureza. Tudo estava calmo e pela primeira vez naquele dia, eu não senti nada. Não tinha cabeça para cogitar sentir absolutamente nada. Só escutava os sons tranquilos que me rodeavam.

     E eu pensava. Pensava muito.

     Um mês e meio. E eu não descobri quem matou a Kara. Não descobri quem matou Eric. Não descobri que fim tiveram aquelas pessoas que sumiram.

Trust - Wandinha e XavierOnde histórias criam vida. Descubra agora