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     Acordei ainda na pilha de lençóis de ontem a noite com uma das músicas de Enid saindo de sua caixa de som. Eu não acredito nisso.

     Me sentei enquanto olhava para ela com uma expressão de raiva e sono. Ela continuava dançando e só parou quando viu que eu já estava acordada. Ela abaixou um pouco o volume e se aproximou de mim.

     — Bom dia! Dormiu bem?

     — Eu ainda estou raciocinando. Por que você tá arrumada?

     — Ah, isso! Porque a gente vai sair, né. — Ela falou como se fosse a coisa mais óbvia do mundo e isso já me irritou.

     Tem nem cinco minutos que eu acordei e já me irritei.

     — Nós quem, Enid?

     — Nós duas, Wandinha! Tem um filme novo passando no cinema do shopping e eu quero muito assistir. A gente pode ir almoçar e depois ficamos andando por lá até dar a hora do filme.

     — Tem shopping aqui? Desde quando?

     — Tem, não sei há quanto tempo. Você saberia se usasse sua curiosidade para descobrir coisas legais para fazer na cidade e não caçando assassinos, stalkers e não sei mais o que.

     — E almoçar? Eu acabei de acordar.

     — Já são dez e meia da manhã. Até sua alma voltar para o corpo, você se arrumar, eu terminar de organizar o quarto e a gente chegar na cidade já dá a hora do almoço.

     — Qual é o filme?

     — Avatar 2. Terminou com as perguntas ou vai pedir meu CPF também?

     — Não tem como ser mais tarde?

     — Não é como se você tivesse outra coisa para fazer. Até porque você prometeu que ia tirar uns dias para a gente. Sem investigação. Para você ser uma melhor amiga. E a gente vai fazer coisas que melhores amigas fazem. E elas não incluem te ajudar a investigar mortes. Hoje não. Agora vai se arrumar. Eu tenho que dobrar esses lençóis.

     Fechei os olhos com força e me deitei novamente na pilha de edredons,  ainda tentando associar o que Enid acabou de mandar. Um sábado de manhã, a pessoa acaba de acordar e já vem uma que não para quieta dizendo o que a gente vai fazer hoje. Mesmo assim, lembrei do que Enid falou sobre dar um tempo e apesar de eu não ser uma pessoa de "dar um tempo", não queria comprometer minha investigação. Eu precisei de Enid em um certo ponto, posso precisar dela novamente. E se eu fizer exatamente o que ela mandar ela não vai ter argumentos para não fazer o que eu pedir quando o momento chegar.

     É aquele negócio, nada na vida é de graça.

     Me levantei depois de alguns minutos pensando, separei uma calça preta e uma blusa simples com gola branca também preta e fui até o banheiro para tomar banho. Terminei pegando um casaco preto com detalhes brancos e minha mochila e fiquei esperando Enid decidir quando iríamos sair. Ela terminou de organizar tudo e separou todo o lixo de ontem que teríamos que descartar lá embaixo. Descemos e jogamos o lixo fora, depois nós dirigimos até o Pentágono para sairmos da escola por um local mais escondido seguindo o rio, já que a polícia insistiu que se Nunca Mais fosse vigiada o dia inteiro, nenhuma morte ou desaparecimento iria ocorrer de novo.

     Bando de idiotas acéfalos.

     Enquanto Enid nos guiava pelo pátio, a segunda coisa que eu menos esperava aconteceu: Ajax nos avistou e começou a caminhar até Enid, que já tinha se animado e com certeza não iria ignorar o górgona e sair correndo até a saída escondida como se nada houvesse acontecido como eu teria feito. A primeira coisa era que Xavier aparecesse.

Trust - Wandinha e XavierOnde histórias criam vida. Descubra agora