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ㅤ ៚🍒ˎˊ˗ 𝐒𝐀𝐅𝐈𝐑𝐀 é umɑ gɑrotɑ sem esperɑnçɑ, com somente um objetivo. Elɑ sɑbe o que quer, e o que precisɑ fɑzer pɑrɑ consegui-lo, entretɑnto, elɑ nα̃o o fɑrά ɑté que todos em suɑ vidɑ estejɑm mortos. Elɑ nα̃o se vê como umɑ pessoɑ, e s...
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"Acho que tem algo de errado em minha mente." As palavras de mais cedo ainda continuavam voltando a invadir a minha mente, fazendo com que eu me sinta estúpida por ter admitido em voz alta o que todos sabem sobre mim a anos. "Você vai melhorar", eles dizem. Afirmam como se tivessem certeza absoluta, porque não melhorariam? Pessoas já passaram por coisas piores, certo? Mas esquecem que a parte difícil não é saber se você vai melhorar, e sim quando. Saber que você vai ter que viver dentro de sua própria mente para sempre, e que talvez com muito trabalho, um dia você acorde e esteja livre do bicho papão, mas até lá você tem que continuar lutando. Criando coragem para levantar da cama, coloco meus pés no chão enquanto olho ao redor do quarto, vendo o cômodo completamente bagunçado, com roupas e papeis espalhados pelo grande espaço do lugar. A porta está encostada, e já consigo ouvir as vozes vindo do corredor, não tão violentas ou altas como antes, dessa vez mais automáticas e normais. Parte de mim ainda espera as conversas se tornarem brigas, mas isso não acontece. Me levanto deixando a cama desarrumada e andando pelo corredor em direção ao banheiro, depois desço as escadas e passo pelo longo corredor que vai para a cozinha. Quando pequena, quase sempre gostava das horas das refeições. Tomar café sentada na cozinha enquanto minha mãe mordiscava e preparava o almoço é uma das pouquíssimas lembranças que eu tenho antes de tudo. Mesmo fazendo coisas totalmente diferentes, ainda fazíamos companhia uma para outra. As vezes meu avô Mikhail também se juntava a nós, e ficávamos os três daquele jeito. Mas agora sempre como sozinha. Minha mãe aparece com passos apressados na cozinha, abrindo as tampas de algumas panelas e desligando algumas bocas do fogão enquanto estou sentada na bancada, tomando café da manhã. ─ Achei que fosse dormir o dia todo de novo. ─ minha mãe diz enquanto despeja o macarrão no escorredor. Mergulho a colher na vasilha e levo a minha boca, a enchendo de cereal, fazendo o possível para mascarar o suspiro cansativo antes de soltá-lo. ─ Bom dia pra você também. ─ ironizei com a boca ainda cheia, apenas querendo o silêncio de volta. ─ Você precisa se arrumar. Já são três da tarde, em uma hora você tem terapia. ─ Não estou afim de ir hoje. ─ eu respondo dando de ombros. ─ Você faltou nas últimas cinco sessões. ─ ela aponta com toda a sua forma perspicaz de analisar tudo. ─ E esta será a sexta da sorte. ─ Termino o cereal e abro o armário abrindo uma bolacha doce, e voltando para meu lugar. ─ Dúvido que ela vá sentir falta, simplesmente não acho que estou no humor para conversas sobre como me sinto. ─ E é por isso que você tem que ir. ─ minha mãe se aproxima, beijando minha testa antes de me olhar. ─ Agora banho, e não é pra levar comida para o quarto, assim que entrar uma barata na sua boca enquanto dorme vai ver o que é bom pra tosse. Como metade da bolacha ali mesmo, subo as escadas e volto para meu quarto, colocando o pacote de bolacha próximo a televisão. Vou em direção a janela e vejo o movimento. O dia está ensolarado. O sol brilhando no céu e o calor tomando conta. A maioria das pessoas vendo um tempo "bom" como esse começaria a ficar mais animada, mas comigo era o total oposto. O sol e o calor me deixavam ainda mais desanimada, fazia com que eu me trancasse ainda mais em casa. Eu preferia o frio e a noite. Gostava de olhar para o céu e ver a lua cheia brilhando lá em cima, de como tudo parecia ficar quieto e silencioso. Eu me sentia como uma vampira. Que ficava enclausurada em seu caixão durante o dia, mas que quando anoitecia, podia fazer o que quisesse e ser dona de tudo. Tomei banho presumindo toda a maldita conversa na terapia. O que falar para que minha psicóloga não percebesse que estava no automático. E o que não falar para que ela não precisasse se aprofundar em algum assunto. Coloquei um jeans meio folgado e o meu blusão preto favorito, que eu mais usava. Sempre o vestia quando não estava bem. Primeiro eu o colocava só pra sair e quando eu percebia já estava vestida com ele a três dias em um episódio depressivo. Se alguém realmente prestasse atenção nesses episódios, notariam que o blusão era um jeito de eu inconscientemente me preparar para o que estava por vir. Coloquei o coturno preto, me certificando de que minha faca continuava no mesmo lugar que sempre deixava perto do sapato, escondida mas fácil o suficiente para pegá-la rápido caso precisasse. Deixei os cabelos soltos, sem maquiagem. Olhei no relógio vendo que faltavam 15 minutos, saí do quarto andando rapidamente e ouvindo os pequenos passinhos com unhas batendo pelo chão atrás de mim. Eu nem precisava me virar para ver que era Mischa, Yelena sempre foi apegada à minha mãe, mas a mais velha era comigo, me seguia pela casa inteira se precisasse. No começo era algo que eu não entendia, até achei que não gostava porque ter alguém me seguindo diariamente me fazia sentir paranoica, mas hoje quando ela não me segue, me sinto meio perdida. Dei um beijo em meu avô, me despedi de minha mãe e pela vasta propriedade em que morávamos, até chegar aos portões e digitar os códigos de segurança para que eles fossem abertos. Verenmon era um pouco afastado de qualquer civilização da cidade, então tínhamos que pegar um carro ou andarmos a pé até chegar nas ruas movimentadas. Eu achava que era uma boa caminhada para ter tempo para si mesma. O caminho foi um pouco longo, mas finalmente tinha chegado às ruas movimentadas. As pessoas passavam conversando, outras no telefone, odiava ter que andar entre elas e me fazer aparecer, me sentia totalmente desconfortável quando alguém chegava a olhar em meu rosto, então elas sempre davam um sorriso desconfortável e saiam correndo o mais rápido possível. Poderia não estar com vontade de sair ou ir na terapia, mas gostava do caminho até lá, em uma parte dele ficava quase vazio, somente com poucas pessoas ao redor. Silencioso, como se por um instante eu conseguisse me afastar de qualquer loucura ao meu redor, mas ela sempre voltava. Em um piscar de olhos eu já estava sentada em frente a minha terapeuta. Não me lembrava de nem chegar ao consultório mas talvez fosse por já estar tão cansada e acostumada com a rotina, que a fazia no automático. A sala totalmente desprovida de cor, de vida, branca e imaculada como nos fazem acreditar que os hospitais psiquiátricos são. Ela procurava algo mas gavetas, e assim que decidiu desistir de procurar seus olhos azuis se voltaram para mim. A Dra. Palmer era uma mulher na flor da idade, cabelos loiros e olhos com pouca profundidade. Alguns aneis na mão esquerda, algo um pouco incomum visto que a maioria tende a usar na direita. Sem jaleco como de um médico, optou por roupas formais mas casuais, ao menos a maioria que eu tinha visto até agora costumavam ter algo xadrez, com saltos não muito altos, para não causar bolhas ou atrapalhar seu dia. Além de psicóloga também era fisioterapeuta, algo que particularmente eu achava interessante. ─ Você faltou nas últimas cinco sessões, não tinha esse comportamento a um bom tempo. ─ ela diz, franzindo o cenho em uma preocupação sincera. ─ Não estou de humor para conversas, tenho me sentido cansada ultimamente. ─ Você fala isso em toda a consulta. ─ ela brinca, tentando aliviar o clima. ─ Talvez seja porque minha vida seja cansativa toda a semana. ─ rebati focando minha atenção ao redor da sala. ─ Certo... doce? ─ ofereceu um pacote de balas, essa com toda a certeza é a melhor parte da terapia. ─ São de café, costumava comer muitas dessas quando era pequena. ─ Eu amo as de hortelã, toda vez que coloco uma na minha boca lembro de meu pai e eu dividindo o pacote. ─ revelei enquanto colocava a bala marrom na boca. ─ Faz muito tempo que não falamos sobre ele, certo? ─ ela pergunta, fingindo naturalidade. ─ Sente saudades? Merda ─ Tática inteligente. Baixar a minha guarda com comida e em seguida me atacar com uma pergunta pessoal. ─ Dei uma risada fraca. — Já faz anos que meu pai desapareceu, eu era uma criança. Não há nada do que sentir falta. ─ Mesmo assim, isso mexe com você. ─ Porquê acha isso? ─ eu arqueio uma sobrancelha. ─ Quando falamos em algo que provoca fortes emoções, você começa a arrumar os materiais da minha mesa como se tivesse TOC. E também evita todo tipo de contato visual. ─ ela aponta todos os meus hábitos e tenho vontade de me bater por ser tão previsível. ─ Quando foi que você ficou tão observadora? ─ Estamos nessa há cinco anos, se eu não aprender ao menos uma coisa sobre você, significa que estou fazendo meu trabalho errado. ─ sua boca se abriu em um sorriso. ─ Blá, Blá, Blá. ─ terminei de arrumar os cartões em cima da mesa. ─ O assunto do meu pai não me afeta, estou acostumada com sua ausência e com a minha mãe falando várias coisas sobre mim. Não me importo com o que falam, ou o que acham das minhas ações. ─ E mesmo assim você está aqui falando do assunto com essa cara emburrada. - A Dra. Palmer serviu um pouco de café para nós duas. ─ Não estou emburrada, estou entediada. Francamente achei que você fosse ficar mais interessante depois de cinco consultas perdidas. ─ eu ataquei, um sorriso maldoso aparecendo em meus lábios. ─ Não me importa o que acha, podemos passar a consulta toda em silêncio como fazíamos no começo. De qualquer jeito eu estou sendo paga pra isso, a única que pode determinar se essa conversa vai ser uma perda de tempo ou não, é você. ─ ela bebeu o café logo depois de me esbofetear sem precisar tocar em mim. Ponto pra ela. Afinal ela estava certa, não? Se no fundo eu realmente não quisesse conversar, ninguém conseguiria fazer com que eu saísse de casa. ─ Sabe o que é uma perda de tempo? Futebol, ontem tive que ficar até de madrugada ouvindo os torcedores loucos gritando enquanto passavam pela rua buzinando. Gostaria de ser a rainha de copas e falar "cortem na cabeça" para eles! - menti dando um sorriso ─ Rainha de copas não combina com você, está mais pra chapeleiro maluco. ─ disse ela enquanto começava a digitar algo no teclado do computador. ─ Está insinuando que sou mentalmente instável, levemente irritante e estou sempre em confusão? ─ arqueei minha sobrancelha novamente, fingindo estar ofendida. ─ Na verdade eu estava falando de como ele sempre está com um sorriso pronto no rosto e parece desapegado com tudo à sua volta, mas na realidade é totalmente ao contrário. É o mais preocupado. ─ ela parou de digitar por um minuto e me encarou. ─ Mas a parte de ser levemente irritante e sempre se metendo em confusão, também se encaixa em seu perfil. ─ ela deu um sorriso. Fiquei quieta durante algum tempo, apenas deixando as palavras tomarem conta do ambiente enquanto escutava as teclas do computador. Dei de ombros como se não tivesse entendido e voltei a arrumar o caneteiro em cima da mesa. Os minutos foram passando, continuamos conversando, dessa vez sobre coisas mais fúteis que não chegavam a me importar, assim que as duas horas da consulta acabaram nós duas saímos do consultório e juntas fomos até o carro da doutora Palmer. ─ Até a próxima? ─ Claro, você tem que ter ao menos algum paciente interessante para não morrer de tédio dentro daquele lugar. ─ dei um sorriso colocando os fones de ouvido e voltando a seguir o meu caminho. Softcore tocava em meus ouvidos enquanto andava pelo caminho de volta para casa, em algum momento percebi que estava tão perdida em meu próprio mundo que não percebi quando as ruas ficaram totalmente vazias e cinzas. Gotas de chuva aos poucos começaram a cair do céu. Olhei para cima soltando um suspiro agradável, diminuindo meus passos ainda mais, sentindo as gotas de chuva molhar minha roupa, mas gostando da sensação. Quando virei a esquina que dava em frente ao mercado percebi algo estranho. Ele estava fechado, e não deveria estar. O ponto de ônibus estava totalmente vazio, e a rua sem vestígios de carros. Ao longe ouvi meu nome. Me virei para trás mas não havia ninguém ali. Tirei os fones de ouvido e olhei ao meu redor, mas nada tinha se revelado. Voltei a andar novamente sentindo a tranquilidade de antes indo embora, abracei meu corpo conforme começava a ficar mais frio, de novo ouvi meu nome ser chamado. Olhei para trás, e forçando bem minha visão vi alguma figura se mover a minha direita e passar para o beco.