A sexta fase do luto

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O ar a minha volta parecia particularmente estranho em minhas narinas. 

Talvez fosse o fato do meu nariz estar quebrado... 

Talvez seja porque meu pulmão estava esganiçado, dando tudo de si para que eu não me deixasse levar pela fadiga e pela exaustão e apenas... respirasse. 

Talvez fosse realmente um fenômeno físico do ambiente a minha volta, já que, aliás, nem sei se esse lugar em que me encontrava era ou não verdadeiro. 

No entanto, tudo parecia terrivelmente real e doloroso. A penumbra da floresta à minha volta, as folhas secas sob meus pés, meu sangue escorrendo do meu nariz e fluidamente pingando na minha roupa, o barulho do meu coração batendo rápido enquanto firmava a espada na mão e me esforçava a mais uma vez investir contra o monstro a minha frente. 

Mesmo que esse monstro, Harry Potter, fosse um dos indícios que isso tudo pode ser coisa da minha cabeça. Não é como se minha parte doentia e tomada pelo luto pudesse realmente se materializar a minha frente e lutar comigo... não é?!

Luto. Algo engraçado que nunca havia realmente parado pra pensar, a raiz do meu equívoco. 

Uma vez li na biblioteca do vilarejo que, apesar de não ser muito estudado devido ao fato da Igreja achar banal estudar o efeito da morte nos vivos em vez de focar apenas em reafirmar a parte espiritual de se acreditar que a pessoa está em um lugar melhor e abençoado, alguns estudiosos atuais estão lutando para conseguir ganhar reconhecimento pelos suas filosofias sobre o luto. 

Muitos deles convergem ao dizer que o luto é sentido em fases. Etapas graduais da psique humana que vão desde mecanismos de defesas até formas de se expressar imperecivelmente. 

Quando meu pai foi brutalmente assassinado na minha frente, eu fiquei triste, eu chorei... mas foi como se uma parte de mim apenas se esquecesse disso. Apagasse as lembranças e a dor real que senti para que o garotinho que eu era conseguisse continuar vivo e seguindo em frente... 

No entanto, logo depois foi minha mãe. Sinto que ela se foi muito antes de realmente morrer. Agora entendo que eu a fui perdendo aos poucos, e esse é um dos motivos de ter bloqueado o luto. Não foi repentino, não me levou a ficar chocado apenas... triste e condescendente. Triste porque eu tinha perdido o meu sol, a flor que perfumava meus dias, minha rocha... 

Minha ancora se fora. E foi ai que as coisas começaram a desabar, mesmo que de pouco a pouco escondido na minha mente. 

Foi quando o meu tio chegou, uma pessoa um tanto quanto emblemática. Pensei que eu estava bem, que estava... não sei o que pensei. Mas, agora vejo que apenas redirecionei meu luto. Peguei toda a dor, toda a saudade... e estagnei no estágio da ira, direcionando toda ela a Valter o transforando em alguém pior do que a realidade. Não que ele não mereça... mas não era realmente por isso que eu estava irritado. 

Estava irritado porque, bem la no fundo, eu sentia que minha mãe tinha me abandonado, que não tinha lutado o suficiente por mim e que havia me deixado sozinho... 

Eu me sentia tão sozinho... 

E foi disso, e todas essas facetas emocionais e defesas, que fortaleci você-sabe-quem. Uma parte minha que personifica o estágio da depressão do luto, mas que agia em um eterno luping de choque, negação, raiva e depressão, porque não sabíamos, e nem queríamos, ver qual seria a próxima fase. Ficar nesse ciclo era cômodo e o alimentava. 

Mas agora acho que estou pronto para sentir as próximas etapas. Minha vida não pode significar apenas isso que estou sendo, alguém patético que poderia ser rei, mas que prefere ser escrevo em sua própria mente e também da realidade. Alguém tomado pela raiva e que gosta de se subjugar como um nada, pois assim não há expectativas de ser algo a mais. Alguém que não sente realmente a dor pois não a deixa vir, nem admite realmente que as pessoas se foram, mas gosta de se lamuriar e ficar estacionário no mesmo lugar de mártires, de órfão fraco, medroso e louco... 

Arcádia/ DrarryOnde histórias criam vida. Descubra agora