dezesseis.

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Eu tive que me esforçar bastante pra não cometer um crime em plena segunda-feira de manhã.

Minha irmã mais nova, Cida, inventou de acordar às cinco horas da manhã, e começou a brincar no chão do quarto enquanto eu tentava aproveitar minha última hora de sono antes da aula, mas a cada dez segundos que eu fechava os olhos, ela dava alguma risada, derrubava alguma coisa no chão ou apertava alguma coisa que fazia barulho entre os brinquedos dela. Depois, quando finalmente desisti e me levantei pra separar meu uniforme, percebi que não tinha colocado ele pra lavar, e minha bermuda tinha uma mancha enorme de macarrão que caiu do meu prato no almoço da sexta-feira. Isso significava usar de novo o short-saia de Ritinha, o que, na minha opinião, era pior do que usar um saco de batata como vestido. E então, quando não achei que poderia piorar, estava chovendo forte, e a luz caiu. Ou seja, nem um mísero banho quentinho eu podia tomar.

Acabei tendo que usar o tanque da cozinha para tomar um banho de gato e lavar o cabelo, e terminei colocando uma bermuda preta que não era do uniforme da escola, mas que era semelhante o suficiente pra que eu não ganhasse nenhuma ocorrência. Se eu desse sorte, a professora Marília nem perceberia.

Tomei só café com um pão de forma com salame e queijo, porque nem a misteira eu podia ligar sem energia. E, ah. Eu não fazia ideia de onde estava meu guarda-chuva.



Mesmo sendo perto de casa, eu cheguei na sala de aula pingando. Tinha usado uma blusa de capa de chuva, mas qualquer tecido só absorve a água por alguns minutos até que você ficasse ensopado.

No entanto, mesmo com todas as circunstâncias estando contra mim, eu estava decidida a não me deixar isso me afetar. Tomei como um bom sinal o fato que não me xingaram por não estar com uniforme, e tentei me concentrar o máximo possível nas aulas que eu teria no dia. Bem, isso até chegarmos na quadra para a aula de educação física, quando o professor disse que tínhamos que nos separar em times de quatro, e eu notei que Safira não tinha vindo a aula hoje. De cenho franzido, eu, Bia e Mateus acabamos nos juntando com um menino quieto da sala pra fazer uma equipe de corrida.

Tudo bem, eu pensei. Talvez ela só fosse chegar atrasada.

Mas aí, ela não apareceu no horário de geografia, e nem no intervalo, e eu sabia que ela não iria dar sinal para os dois horários de matemática ou pro de química, bem no finalzinho.

Tentei não dar muita importância, mas até Mateus percebeu, e comentou assim que saímos do último horário:

— E eu aqui achando que Safira ia aparecer com meu presente hoje — ele deu uma risadinha. Balancei a cabeça. É verdade, ele tinha dito isso no seu aniversário no sábado.

Mas se eu bem que me lembrava, Safira tinha reagido de uma forma esquisita quando ele disse aquilo, como se realmente tivesse planejado faltar hoje, e por um motivo que ela não gostava. Aquilo me encucou. Por que será?

— Às vezes ela nem comprou nada e tá fugindo de ter que explicar isso depois de falar aquilo no sábado.

— Mas ela não era rica? — o garoto perguntou.

— O que tem a ver? Vai que ela é mão-de-vaca.

— Igual você, né, Bia? — dei uma risadinha. — Não vou esquecer o ano que você disse que tinha sido roubada e por isso que você não tinha trazido o presente do amigo secreto da escola quando na verdade você só ficou com ele pra você mesma.

A menina ficou vermelha como um tomate.

— Eu tinha NOVE anos, Mari!

— E? Quando eu estiver com cento e nove anos no meu leito de morte vou falar "A Beatriz não foi roubada coisa nenhuma, ela ficou com o presente do amigo secreto pra ela" — fiz minha melhor imitação de voz de idoso, e a garota me deu um soco no braço.

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