Mamãe realmente deixa a casa inteira de cabeça para baixo só para receber o tal namorado de Ritinha. Até Cida, que não é fácil de convencer, deixou a mamãe arrumá-la como se estivéssemos indo pra um casamento, de vestido rodado e tudo. E não é que ela não goste de se arrumar assim, mas as coisas só costumam acontecer nos termos dela. Ela até pediu para que eu fizesse uma coroa de tranças no cabelo dela!
Eu consegui me salvar um pouco de tudo isso também, só vestindo uma calça e uma camiseta de listrinhas. Papai e Rita, por outro lado... Eu não sabia decidir qual dos três estava mais emperiquitado.
Quando a hora finalmente chegou, todos nós estávamos na sala, em silêncio, só esperando a campainha tocar, como se estivéssemos esperando o Papa, quando na verdade era só um perdedor que agora namorava Rita.
E no segundo que a campainha toca e logo em seguida se dão três batidinhas na porta, todo mundo pula no sofá. Rita faz um shh, e vai andando até a porta, e todo mundo finge costume, encarando o nada como se fosse muito interessante.
Quando Emílio entra, mamãe é a primeira a se levantar para cumprimentá-lo, seguida de meu pai. Rita fica parada do lado dele no corredor, inquieta, sem saber onde pôr as mãos. Finalmente consigo o olhar bem, e por algum motivo, ele me é levemente familiar. Ele tem cabelo castanho levemente ondulado, nariz pontudo e um sorriso que é tudo menos gentil. Imediatamente, sei que não gosto dele.
Enquanto meu pai e Emílio fazem conversa fiada, tentando achar alguma relação que todos têm em cidade pequena, todos nós vamos para a cozinha, e nos sentamos na mesa. Mamãe preparou várias coisas, desde macarronada e bolinhos de carne até pudim pra sobremesa. Ela realmente está empolgada com a ideia de Rita finalmente namorar, e fez uma ceia pra comemorar.
— Então, Emílio... — papai começou, o olhando bem no olho, com os braços cruzados sobre a mesa. — Você quer fazer faculdade? — O cara balançou a cabeça, mas antes que falasse algo, meu pai continuou: — De quê?
— Quero ser advogado. — Emílio sorriu com um pouco de arrogância, e eu me segurei pra não fazer uma careta. Uma médica e um advogado? Era tipo a combinação mais insuportável do mundo. Ainda bem que eu não tinha primos, porque eles com certeza nunca veriam o fim das comparações.
— Ah, um advogado? Espero que não precise de um no futuro. — Ele olhou o rapaz fundo nos olhos, e eu entendi perfeitamente o que ele quis dizer com essa frase. Não ouse machucar minha filha, porque se não eu vou machucar você.
— Claro que não, senhor — Emílio tinha um pouco de nervosismo na voz, mas era quase imperceptível.
Rita olhou para nosso pai, e rapidamente juntou as mãos para dizer "Para com isso!" em LIBRAS. Dei uma risadinha, e Emílio me olhou de canto de olho, sem entender o que aquilo significava.
— É brincadeira, é brincadeira — papai disse.
— O que você gosta de fazer, Emílio? — minha mãe interrompeu para perguntar, colocando um prato na frente dele. Eu me levantei e comecei a ajudá-la a colocar as coisas na mesa.
— Ah, depende do dia. Eu gosto de assistir TV, jogar bola, essas coisas assim.
Olhei para papai, e por trás de Emílio sinalizei: "Pergunta se ele já viu Clube dos Cinco e o que ele acha. Não, melhor ainda, pergunta de Clube da Luta". Dependendo da resposta dele, eu mesma o jogaria pra fora da casa.
Papai balançou a cabeça, e eu fiz uma careta enquanto colocava uma travessa de arroz na mesa.
— Você gosta de futebol, então?
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Os Fantasmas de Boa-Morte ⚢
Romance[HIATO] A pequena cidade de Boa-Morte sempre foi muito crédula em todos os sentidos: em Deus, em santos, em fantasmas, aparições, mal olhados e todo o resto. Todos os seus habitantes eram extremamente supersticiosos, e Maria Madalena e sua família n...