nove.

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Não fui pedir desculpa para Safira. Pra falar a verdade, essa nem era minha intenção desde o começo, mas Mateus não me deixava em paz, então só fingi que iria. Fiquei escondida no banheiro até a hora do sinal tocar, e assim que ouvi a sirene, saí rápido pra sala.

Quando Bia se sentou atrás de mim e perguntou se eu tinha pedido desculpas, eu só fiz que sim com a cabeça. Já pedi. Não agora, mas pedi na hora da queimada, e eles não precisavam saber disso. Eu só queria interagir o menos possível com a fantasma. Se eles não achavam válido, problema deles.

Na hora da saída, um burburinho corria pelos corredores. Todo mundo estava em grupinhos, cochichando e olhando ao redor, esperando alguma coisa. Mateus foi o primeiro a cutucar alguém e perguntar o que tava acontecendo, mas, óbvio, ele não tinha amigos além da gente. A pessoa só olhou pra ele e apontou pra alguém no fim do corredor.

Imediatamente, eu e Bia seguimos a direção que ele apontava. E ali estava. Ana Julia. Ela era do segundo ano, filha do dono do mercadinho umas duas ruas pra cima da escola. Era daquelas meninas populares mas nem tanto, que todo mundo conhecia de nome porque ela era bonita. Eu não achava ela tão bonita assim. OK, o cabelo dela era cheiroso e bem cuidado, ela nunca tinha uma espinha na cara e tava sempre na frente e centro do coral da igreja, mas ela nem cantava tão bem assim.

Bia me olhou, curiosa. "Como assim?" fez com a boca.

— O Mário vai pedir ela em namoro. — Mateus apareceu entre nós duas. — Agora. De surpresa.

Fiz uma careta. Mário era do terceiro. Ele tinha estudado com minha irmã, mas repetiu de ano tantas vezes que ainda tava preso ali na escola com a gente. Ele tinha tentado de toda forma fazer com que Ritinha gostasse dele, mas agora eu entendia o porquê de não ter dado certo. Ritinha gostava de outro menino, e pra ser honesta, Mário era um pé no saco.

E, pelo visto, seu alvo agora era a pobre coitada da Ana Júlia.

Bia, Mateus e eu fomos de fininho pra um canto perto de um extintor de incêndio, próximos o suficiente pra ouvir o que aconteceria, mas distantes o bastante pra não ser óbvio que estávamos ali pela fofoca.

Ana Julia parecia... apreensiva. Ela sorria, mas o sorriso era nervoso, como se ela desconfiasse que algo ia acontecer a qualquer segundo. E dito e feito.

Do final do corredor saiu Mário, carregando uma rosa na mão. Foi como se todo mundo no corredor tivesse prendido a respiração. Ele tinha um sorrisinho metido no rosto enquanto se aproximava por trás da menina, e eu tive ânsia só de ver. Ele cutucou o ombro dela, e Ana Julia engoliu em seco ao se virar.

— Oi! — consegui ouvir, mesmo ela falando baixinho.

— Naju. — Mais cinco pessoas se amontoaram na esquina do corredor de onde ele tinha vindo, espiando. — Você sabe o quanto eu gosto de você, né?

A menina só conseguiu assentir.

— Tadinha — Bia sussurrou do meu lado. Concordei, mas não tirei o olho dos dois.

— Eu não consigo passar mais de um minuto sem você. Desde que te conheci, eu sabia que tava apaixonado por você. Você aceita namorar comigo?

— Eu tenho absoluta certeza que isso veio de uma revista adolescente de namoro. — Escutei a voz atrás de mim, e todos nós pulamos de susto. Mateus quase quebrou o pescoço se virando, e claro, como quem não queria nada, Safira Anunciação estava parada ali, de braços cruzados, assistindo tudo. — Mas, bem... pelo menos ele pesquisou, né? — Olhou pra mim arqueando as sobrancelhas, e eu desviei o olhar de novo pra Ana Julia e Mário.

O que ela estava fazendo ali? Eu não podia ter mais um momento de paz sem quase morrer do coração por causa dela? E como infernos ela andava tão silenciosamente?

Os Fantasmas de Boa-Morte ⚢Onde histórias criam vida. Descubra agora