O uniforme do Colégio Municipal Eduardo Flores é branco, verde e azul. O branco é meio puxado pro bege, quase amarelado, e o azul marinho é da mesma cor do azul da bandeira do Brasil. Já o verde — feio, tipo coco de neném — é do nome da escola no peito esquerdo.
Ele é muito engomadinho pro meu gosto, mas mesmo assim, é o que eu sou obrigada a usar. A pior parte é que mesmo a camisa sendo a de sempre, minha antiga bermuda parou de servir, e eu tive que pegar um short-saia emprestado com Ritinha. Não gosto de usar roupa curta assim, principalmente quando ela é mais justa ao corpo. Mas eu não tenho o que vestir além dela, e sem o uniforme completo eu levo xingo da diretora.
Bia com certeza vai fazer hora comigo. "Nossa, Mari, resolveu virar a Rita agora?" ou alguma coisa que tenha a ver com eu me vestir de forma mais feminina.
E como se não pudesse ficar pior, agora tenho que acordar ainda mais cedo pra ir pra escola a pé, já que minha aula começa vinte minutos mais cedo.
Estou irritada e desconfortável e com sono e, eu espero muito que minha primeira aula não seja com a professora que me odeia, porque senão terei um surto antes mesmo das oito da manhã.
Antes mesmo que eu entre no portão do colégio, alguém já pisou no meu pé. Meus colegas de turma são muito escandalosos, e eu não vejo Bia e Mateus em lugar nenhum do pátio.
Assumo que, já que é o primeiro dia, eles já devem estar na quadra, esperando a apresentação dos professores e a orientação dos alunos novos.
Mesmo a cidade sendo pequena, a escola tem muita gente, já que alunos de todo o redor de Boa-Morte também vêm estudar aqui. Então, quando chego na quadra, já tem um milhão de alunos histéricos sentados na arquibancada. Quando começo a subir o primeiro degrau, duas pessoas acenam pra mim lá de cima, e eu subo até eles.
— Você demorou. — Mateus diz, assim que me sento entre ele e Bia.
— Tava sem uniforme pra vestir.
— Por isso que cê tá de saia? — Bia fala. Eu sabia que ela ia comentar sobre.
— É da Ritinha. — respondo. — Quando será que a gente vai receber os novos? Tem um tanto de gente sem ainda.
Ela deu de ombros.
— Não sei.
— Cara. Acho que a gente vai ter aula com o Pablo. — Mateus interrompe, murmurando, e eu quase não escuto o que ele diz por cima da barulheira dos outros alunos.
— O de educação física? — pergunto, e ele balança a cabeça dizendo sim. — Ele não tinha sido demitido?
— Voltou. — Bia disse. — Não tinha mais ninguém pra substituir ele.
Balancei a cabeça, meio distraída. Ela sempre sabia de todas as fofocas de Boa-Morte por causa da mãe dela — a maior fofoqueira da cidade — então não duvido que fosse verdade. Encarei as pessoas que entravam e se sentavam nos bancos, alguns uniformizados, e outros de calça jeans e blusa. Algumas meninas gritaram quando se viram, e quase todo mundo virou a cabeça pra ver elas, e uma delas sorriu amarelo, olhando pra gente. Vários dos meus colegas tinham mudado completamente do ano passado pra esse ano. Era impressionante como tinha gente até crescendo barba.
Foi então que meus olhos encontraram olhos verdes, e a menina que tinha acabado de entrar na quadra fez cara feia pra mim. Me escondi atrás de Mateus — tarde demais, ela já tinha me visto, e tinha ido se sentar do outro lado da arquibancada, de um jeito obviamente calculado.
Meus amigos não perceberam o que eu fiz, já que logo depois a diretora da escola apareceu e começou a dar os recados e a apresentar ela mesma e o corpo docente. Vi pelo menos dois rostos novos entre eles, mas eu não conseguia focar o suficiente pra decorar os nomes deles.
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Os Fantasmas de Boa-Morte ⚢
Romance[HIATO] A pequena cidade de Boa-Morte sempre foi muito crédula em todos os sentidos: em Deus, em santos, em fantasmas, aparições, mal olhados e todo o resto. Todos os seus habitantes eram extremamente supersticiosos, e Maria Madalena e sua família n...