Aqui na residência Sayão nós temos um ranking de quem faz a melhor pipoca entre todos da família. Em primeiro lugar está mamãe, em segundo, meu pai, em terceiro, eu, e Rita em quarto, porque ela nunca coloca sal o suficiente, dizendo que é "mais saudável" assim. Cida não entra no top 5 ainda porque ela não alcança a manivela da pipoqueira no fogão, e ela preferiria ficar com fome do que ter que fazer quatro panelas seguidas para todos da casa.
Assim, quando na falta dos primeiros dois colocados, a encarregada de fazer a pipoca para a sessão de cinema de hoje sou eu. Infelizmente.
São seis e alguma coisa da tarde, e cheiro de pipoca preenche a casa inteira, com os estouros escoando pelos cômodos silenciosos. Acabei de terminar a terceira pipoqueira cheia, e estou a colocando em uma vasilha de plástico colorida perto das outras duas que fiz antes, em cima da bancada da pia. Eu também já coloquei o suco de laranja que fiz logo antes na geladeira, e a única coisa que me resta agora é jogar os bagaços no lixo antes que eu possa sentar na sala e fingir que ligo para o filme que vamos assistir hoje a noite.
A função de Rita hoje era limpar, varrer e passar pano no chão da sala, e sei que ela já terminou porque ela já veio aqui na cozinha umas cinco vezes pra conferir se não queimei nada ou se não enfiei uma faca no meu próprio olho sem querer. Em todas as vezes eu quis xingá-la e mandar que ela ficasse quieta na sala, mas sou a mais nova, e, conhecendo minha irmã, fazer isso seria uma sentença de morte para mim. Mesmo que hoje eu seja a responsável por ela e pelo namorado bobão dela.
E a lembrança disso me faz fazer uma careta enquanto salpico o tempero por toda a pipoca, porque Ritinha marcou uma sessão de cinema com o namorado hoje, simplesmente sem me avisar. Simplesmente.
Ontem Mamãe até aprovou a ideia e tudo mais, mas ela e Cida tinham combinado que estariam na casa da minha avó hoje, então acabei ficando encarregada de, além de cozinhar, ser também a babá dos dois pombinhos. Porque mesmo Rita sendo Rita, mamãe não confiava nem um pouco em Emílio para que deixasse os dois ficassem sozinhos em casa assim.
O problema é que só a ideia de ter que ficar assim, basicamente de vela, com Ritinha e Emílio, — esse com quem eu não tinha intimidade alguma, ou sequer algum pingo de simpatia com — me dava arrepios de cima a baixo. E eu não tinha nem para onde fugir: Bia e Mateus moram longe e não me atendiam, e eu não estava em bons termos com Safira, e os três eram as únicas pessoas que conheço que me acolheriam nessa situação. Então a situação era essa: estava presa pelo resto da noite com dois jovens adultos chatos que provavelmente iriam assistir algo que vou odiar.
Quando vou para a sala, que está estranhamente quieta agora, vejo Rita sentada no sofá com a cabeça entre as pernas, o cabelo caindo como uma cortina ao redor, e eu tenho medo de me aproximar mais e descobrir que ela vomitou, morreu ou algo assim, então paro logo na soleira da porta e fico a encarando.
— Que foi? — pergunto, franzindo o cenho enquanto passava as mãos na lateral do short. Minha irmã no entanto continua com a cabeça entre as pernas, e eu chego perto só para cutuca-la e confirmar se ela ainda está entre nós, antes de me afastar logo depois.
— Huuuuuuuuum...— A garota resmunga, e eu não consigo impedir a cara de confusão que faço imediatamente.
— Você tá proibida de morrer na minha mão — digo, cruzando os braços e me apoiando na parede. — Se você esperar pelo menos o fulaninho chegar pra morrer com ele aqui eu ficaria muito grata.
— Emílio. O nome dele é Emílio — ela me corrige, a cabeça ainda na mesma posição, e eu reviro os olhos. — Que horas são?
Olho por cima do ombro para o pequeno relógio de plástico que temos na cozinha e respondo:
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Os Fantasmas de Boa-Morte ⚢
Storie d'amore[HIATO] A pequena cidade de Boa-Morte sempre foi muito crédula em todos os sentidos: em Deus, em santos, em fantasmas, aparições, mal olhados e todo o resto. Todos os seus habitantes eram extremamente supersticiosos, e Maria Madalena e sua família n...