dezoito.

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Não tinha muita gente, mas havia o bastante para que pudéssemos nos misturar sem que estranhassem; ninguém olhou duas vezes para a gente, e era como se não estivéssemos tão fora do lugar assim. Acho que eram as fantasias, porque alguém balançou a cabeça cumprimentando Mateus, e eu tenho quase certeza que ele não fazia ideia de quem era.

A sala tinha uma porta aberta pra uma espécie de varanda, e além da varanda tinha um gramado, mas lá fora estava escuro, então o resto das pessoas na festa se reunia em algumas mesinhas de plástico, com bastante gente em pé ao redor delas, ao invés de sentados. O fluxo de gente entrando e saindo pela porta da varanda era impressionante pra uma festinha que eu imaginava que ia ser boba, mas pelo visto Ana Julia conhecia todos os adolescentes de Boa-Morte. Agora eu entendia mais a caixinha de dinheiro se ela tinha que alimentar toda essa galera que tinha vindo hoje.

Apesar de mais diversificado que o carnaval do colégio, era como se todo mundo usasse variantes das mesmas fantasias: a maioria das meninas da turma de Naju usavam camisetinhas coloridas e muita maquiagem com glitter, e todos os caras tinham alguma coisa que mostrava algum músculo diferente do abdômen — mesmo que a maioria deles tivesse menos músculos que eu.

Enquanto perambulamos para acharmos um canto para ficarmos, Safira puxou o meu braço e me segurou um pouco atrás. Ela pegou algo da mesa da TV — um óculos de plástico roxo —, o colocou em mim e então murmurou:

— Você tá parecendo aquele carinha dos Rugrats. — E riu.

Fiz uma careta. Eu sabia exatamente de quem ela falava, e odiava admitir que com aquela peruca laranja horrível, sim, eu realmente parecia ele.

— Eu tô tão descabelada assim? — reclamei, passando a mão para abaixar os fios da peruca. — Por isso que eu não gosto de ter cabelo grande.

— Realmente. Prefiro mil vezes você com seu cabelo normal — ela disse, dando um pulinho para voltar a andar do lado de Mateus. Demorei alguns segundos pra absorver o elogio, e fiquei grata por estar andando atrás dos dois, porque nenhum deles me veria ficando vermelha.

Eu também odeio admitir isso, mas eu gosto de quando Safira me elogia. E olha que isso é relativamente raro, visto que ela alega pelo menos um milhão de vezes ao dia que eu cometi quinze crimes contra ela.

Finalmente Mateus se decidiu num amontoado de cadeiras de plástico vazias no canto da varanda perto da porta, e nos sentamos, olhando ao redor. Era engraçado analisar as fantasias de todo mundo.

Um grupo de amigos estava vestido de personagens de Scooby-Doo, e o garoto que era o cachorro tinha um focinho pintado no rosto, usando uma blusa marrom. A Dafne realmente tinha o cabelo laranja, tingido, da mesma cor da nossa professora de história. A Velma, o Fred e o Salsicha estavam parecidos também, mas as roupas eram ligeiramente diferentes. Gostei de como eles tinham incorporado o estilo dos personagens em roupas normais que qualquer um podia usar.

A música que tocava bem baixinho era um daqueles raps que não era muito meu estilo (Eminem, talvez?) mas as pessoas ao redor balançavam a cabeça no ritmo da batida. Não sei o que os meus amigos pensavam naquele momento, mas essa festa não era exatamente o que eu pensava que seria. Eu não tinha o costume de ir em festas assim — tudo que eu fazia nunca envolvia mais de cinco pessoas ao mesmo tempo — mas eu não sabia se era o mesmo pra Safira ou Mateus.

Eu sempre ouvia que os adolescentes de cidade pequena eram sempre os mais malucos nesse quesito, então na minha cabeça fazia sentido que a festa fosse ser um pouco mais... "badalada". Mas isso nem era verdade. Estava até um pouco tranquilo demais, eu acho. No entanto, eu achava que isso talvez tivesse mais a ver com o círculo de amigos da dona da festa do que qualquer outra coisa.

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