Luto

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Sabe aqueles dias que você deseja voltar no tempo e mudar tudo? Esse era, definitivamente, um deles.

Sem mais delongas, ontem perdi minha mãe, a mulher mais forte que já conheci em toda minha vida. Apesar de estarmos de certa forma preparadas para esse momento - pois após meses de um tratamento desgastante o próprio câncer havia nos mostrado que o "melhor" era ela descansar -, era impossível não sentir a dor dilacerante de perdê-la.

Sempre fomos nós três: Elizabeth, minha mãe; Alexandra, minha irmã; e eu, Maya Ateara. E é meio doido pensar que agora seremos somente eu e Alex... Ou pelo menos era o que pensávamos até ontem à noite, depois que voltamos do funeral.

Lembro que quando eu era criança sempre via minha mãe escrevendo durante o dia e especialmente a noite, mas ela nunca me permitia ter acesso aos seus diários. Talvez por eu ser muito pequena na época e poder rasgar tudo? Sim, talvez. Porém, mesmo até pouco antes da sua morte, os três cadernos viviam em uma caixinha trancada em seu guarda roupas e era estritamente proibido abrir: grande risco de surto.

Como ironia do destino - ou não - o último pedido de Elizabeth Ateara foi para que eu e Alex lêssemos todos eles, mas ela foi bem específica: somente após o seu funeral. E claro, foi isso que fizemos durante toda a madrugada entre choros, sorrisos e cochilos.

Em geral, foi estranho. Ao abrir o primeiro diário e rever a sua letra depois de tudo, trouxe uma sensação de conforto e saudade. Era como se estivéssemos próximas dela naquele momento, mas ao mesmo tempo não, pois sabíamos que se ela ainda estivesse aqui, provavelmente não teríamos acesso àquelas informações, que basicamente era seu passado inteiro.

Nossa mãe nasceu e cresceu na reserva Quileute, localizada em La Push - Washington, e bom, foi de lá que eu vim também. Ela morava com o pai, Quil Ateara III; Molly, sua mãe; E um irmão, que pasmem, também se chamava Quil Ateara - só que esse era o IV. Todos eram muito unidos e compartilhavam uma vida pacífica juntos... Até o dia em que minha mãe engravidou de mim.

O resumo sobre ela e meu "pai" era breve, mas consegui entender bem. Ele era um conhecido jovem da tribo que possuía um relacionamento estável com outra mulher, que estava grávida, e acabou se apaixonando por minha mãe. Eles então resolveram viver uma aventura rápida que ao que tudo indica - no caso, eu - não acabou conforme o esperado. Como a reserva era relativamente pequena, seria uma grande vergonha para ambas as famílias se descobrissem a traição e principalmente a gravidez da minha mãe, então, para não destruir principalmente a atual família do meu pai, minha mãe resolveu deixar tudo para trás e seguir comigo ainda em seu ventre para longe dali. Na verdade, não tão longe, visto que seu destino final foi Seattle.

Meu avô soube da gestação quando minha mãe chegou em Seattle e foi contra a sua ida, ele acreditava na índole do meu pai e que devíamos ficar na reserva, custe o que custar. A única da família que apoiou a decisão da minha mãe, foi minha avó. Nas páginas seguintes pude ver que foi ela quem ajudou financeiramente no início de tudo e foi uma verdadeira confidente para minha mãe, até que, infelizmente, um ataque cardíaco ocasionou seu falecimento. Meu nome, Maya, que havia sido escolhido pela vovó Molly, e virou uma última homenagem para ela.

Com a morte de minha vó, Christopher - um jovem que havia herdado a lanchonete que a mamãe trabalhava e desde então se tornou bom amigo - foi quem acompanhou minha mãe até o funeral que, por ter sido uma morte natural, ocorreu poucas horas depois. Para evitar qualquer desgaste, mamãe decidiu se despedir de longe, sem nem ao menos descer do carro... Mas ainda sim, meu pai a viu. No momento em que os olhares deles se cruzaram, a sua bolsa rompeu e ela soube que eu estava chegando. Chris então dirigiu o mais rápido que pôde de volta para Seattle e eu nasci ainda aquela noite, no mesmo dia do falecimento da minha avó. Desde então, nossa mãe nunca mais entrou em contato com o restante da família e decidiu quebrar o vínculo definitivamente com meu pai.

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