• Maiara •
Abril, feriado da Páscoa
Passando mal, muito mal, praticamente colocando os bofes pra fora: é assim que subo a grande escadaria e corro em direção ao banheiro da área de serviço. Quase nada mais sai do meu estômago. Também, depois do tanto que vomitei no banheiro daquele prédio, não poderia ter mais nada dentro dele. Maldita hora que Tati me convenceu a comer aquele strogonoff de frango. Confiro a cartela do remédio para ter certeza de que tinha tomado a dose certa do remédio de enjoo. Todo mundo já sabe que desde pequena passo mal quando viajo, pode ser de carro, ônibus, avião, navio... até a droga de um helicóptero! Inferno!
Escuto a batida aflita de Tati na porta perguntando se está tudo bem, abro a porta enquanto molho o rosto e lavo a boca para me livrar daquele gosto horrível. Levanto meus olhos para o espelho e observo minha expressão completamente pálida e sem vida. Com certeza minha alma saiu para dar uma voltinha e não se importou em deixar recado.
Tati: Venha, Maiara, Tia Edite preparou um chá pra você. — Tati me deixa sentada na cozinha enquanto vai atender a uma ligação.
Edite: Tome esse chá de capim-santo, e logo vocês estarão melhores.
Maiara: Vocês, Tia Edite? Por enquanto eu sou uma pessoa só, não há tantas pessoas habitando esse corpo. — digo rindo e tentando me distrair daquela sensação péssima.
Edite: Não tinha, mas agora tem. Não se preocupe, daqui a algumas semanas você se sentirá melhor. Essa pequena não fará tanto rebuliço em você por enquanto, e tenho certeza de que nada vai superar os gêmeos da Tati. — cuspo o chá inteiro no chão engasgada com as palavras malucas da Tia Edite.
Olho para a Tati, que está tão abobalhada quanto eu e completamente muda. Só a vi desse jeito, com essa cara pálida, no dia que Igor a pediu em casamento e durante a ecografia quando a médica deu parabéns aos dois dizendo que teriam gêmeos. Ficamos por muito tempo em silêncio até que Tia Edite resolve continuar sua previsão.
Edite: Minha linda Tati, seu reinado de trinta anos como a garota preferida dessa casa está por um fio. Aproveite seus últimos meses como xodó da família Zorzanello. Pelo visto, essa fazenda será animada de novo com os gêmeos e uma nova bonequinha correndo por aqui! — solta sua risada divertida, como se não tivesse falado nada demais, para então me mandar tomar o chá, servir suas famosas broas de milho sem nem se importar com as lágrimas que rolam soltas pelo meu rosto.
Estamos as duas apoiadas na bancada do banheiro da suíte de Tati olhando aquele pequeno bastão branco. Será que se passaram quantas horas? Por que demora tanto para aparecer a porra da listinha?
Maiara: Tati, está vendo alguma coisa?
Tati: Um leve borrão. Calma criatura! Não tem nem um minuto que você fez xixi aí. — um silêncio mortal se instala entre nós duas, algo, de fato, inédito.
Sento na tampa do vaso e coloco meu rosto apoiado nas mãos entrelaçadas respirando o mais fundo e pausado que consigo.
Tati: É... Eu não sei nem pra que nós compramos esse teste. Tia Edite não erra jamais!
Tati balbucia a frase quase como se fosse um pensamento alto, que escapou sem sua ordem. Ela estica a mão e me entrega o bastão com duas listinhas bem nítidas marcadas.
Tati: EU VOU SER TIA! — ela grita com seu tom Anna de Arendelle, enquanto eu me debulho em lágrimas. — Fernando será o chefe dessa família e o pai perfeito! Eu sabia que a gente tinha que passar na fazenda antes de seguir para nossa tão esperada viagem de "retiro espiritual". — Tati ri agora entre lágrimas dividindo comigo a felicidade e, ao mesmo tempo, o nervoso de saber que tem um serzinho dentro da minha barriga, coisa que nunca imaginei para mim.
Fazemos uma conta rápida. e nossos bebês terão em torno de seis meses de diferença, com os gêmeos chegando em julho e esse aqui, por volta de dezembro.
***
• Fernando •
Volto apressado para casa cheio de saudades da minha mulher que passou longe de mim uma semana no famoso e aguardado "retiro espiritual" que resolveu fazer com Tati um mês depois que mudamos para nossa casa nova no bairro Alto de Pinheiros. Chamo por Maiara, mas ela não responde, então eu sigo para nosso quarto ansioso para vê-la depois que disse que precisava conversar comigo, e pude sentir a aflição em sua voz. Ao entrar na nossa suíte chamo mais uma vez seu nome, e ela responde que está no banheiro. Não sei descrever a sensação e o turbilhão de sentimentos confusos e simultâneos que resolvem aparecer ao mesmo tempo provocando um verdadeiro colapso no meu sistema central.
Apoio no batente da porta do banheiro e observo Maiara sentada na tampa do vaso sanitário contemplando cinco bastões em cima da bancada. Dou alguns passos me aproximando, e pego o primeiro que marca duas listinhas no visor do bastão. Passo para o seguinte, e a visão é a mesma sucessivamente até o quinto e último teste de gravidez.
Fernando: Você realmente comprou cinco testes de marcas diferentes para conferir os resultados? — ela faz um gesto positivo com a cabeça com as lágrimas escorrendo pelas bochechas rosadas.
Maiara: Na verdade, foram seis. Teve o da fazenda também. Cheguei passando muito mal, mesmo tendo tomado o remédio para o enjoo antes de entrar no helicóptero. Tia Edite me deu um chá de capim-santo dizendo para não me preocupar que logo NÓS ficaríamos bem.
Fernando: Nós? — repito a palavra que ela tanto enfatizou já com um sorriso abestalhado no rosto.
Agacho na frente da minha esposa chorosa e passo as mechas que encobrem seu rosto molhado para trás das orelhas liberando seus olhos que tanto me encantam, mesmo assim, turvos e envoltos em lágrimas.
Fernando: Primeiro, por que você está chorando? Segundo, porque gastou tempo comprando tantos testes depois do que Tia Edite disse?
Maiara: Porque as grávidas são assim, eu acho. A resposta serve para as duas perguntas. — ela solta um sorriso agora tímido, mas seu rosto está apreensivo e logo as lágrimas continuam a descer sem freio pelo seu rosto rosado. — Fernando, eu nunca pensei em ser mãe. Na verdade, eu tinha certeza de que não queria ser! Acho fofo, adoro crianças, mas eu nunca me vi responsável por uma. Eu tinha um plano pronto para minha vida com você, nós dois, o novo desafio na Z&M... E, agora, um bebê? E sabe o que é pior? Eu já sou uma péssima e terrível mãe porque estou pensando e dizendo isso tudo em voz alta, e nossa menina está ouvindo tudo o que eu digo.
Fernando: De tudo que você falou eu vou registrar apenas que teremos uma menina! Tia Edite? — ela faz que sim com a cabeça. — E em segundo lugar, não seria você se não fizesse tantos planos, e eu tenho certeza de que será uma excelente mãe, a melhor que a nossa garotinha puder ter!
Eu não tenho outra atitude a tomar a não ser carregar minha mulher no colo abraçar e beijar. Coloco Maiara deitada em nossa cama e, dessa vez, minha boca desliza pela sua barriga levantando a barra da camisa para dizer o primeiro "oi" para nossa bebê que está ali dentro.
Fernando: Não ligue para sua mãe. Ela é desse jeito a maioria das vezes, só finge que é durona. — arranco uma risada deliciosa da minha esposa.
O pensamento que acaba de passar pela minha mente me faz rir, uma crise de riso como há muito tempo eu não tenho. Deito ao lado de Maiara e levo as duas palmas das mãos para os olhos, retirando as lágrimas que caem livremente, não sei se por causa da crise de riso ou de choro involuntário.
Maiara: Amor, o que foi? — ela vira seu corpo me abraçando com seu olhar preocupado. — Eu sabia, tinha certeza de que você iria surtar, não gostou da notícia... Olha eu também acho muito cedo, não estava preparada pra...
Fernando: Shhh — cubro a boca da minha mulher interrompendo que continue a dizer as palavras malucas que saem sem filtro algum. — Não é nada disso... eu passei treze anos da minha vida negando que algum dia uma mulher entraria na minha vida e com a absoluta e mais convicta certeza de que eu nunca seria dominado. Mas a vida é muito mais que surpreendente! Eu acabo de me tornar um cretino dominado não apenas por uma, mas agora por duas mulheres.
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Como Dominar Um Cretino
FanfictionFernando Zorzanello é o tipo de homem que todo mundo deseja. É lindo, bem sucedido e um amante como poucos. Mas eu não sou todo mundo. Eu queria mais, merecia mais! Quando o vi pela primeira vez, se é que se pode chamar aquilo de "ver", não fazia...