40. Afastamento

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— Filha! — O grito escandaloso da minha mãe me fez correr até ela, que estava na sala. — Veja! — Levantou-se do sofá com o celular na mão. — Olha! — Pulou de alegria e eu franzi o cenho, completamente perdida. — Leia!

— O que é que... — Calei-me ao segurar o aparelho após a sua insistência. — Tudo bem... — Respirei fundo, decidindo espantar os pensamentos angustiantes de minutos atrás. Trancada no meu quarto, eu me questionava sobre quando finalmente conseguiria arranjar um emprego. — Vamos lá... — Foquei no texto que a tela exibia. — Coluna do Ravel Chapelle — ri ao me dar conta de que se tratava da avaliação do francês. — Comida deliciosa em um ambiente aconchegante na cidade de Portland — li o título e a encarei, sorrindo ao ver o seu sorriso bem aberto. — Algo me diz que teremos grandes pontos positivos.

— Ele disse que o meu restaurante é o melhor da região! — Falou alto, eufórica. Arregalei os olhos. — Nem os maiores restaurantes de Seattle chamaram tanto a atenção do Ravel! — Voltou a pular e eu fiz o mesmo, contagiada por sua felicidade.

— Mãe! — A envolvi em um abraço apertado e nós duas gritamos de alegria. — Parabéns! Parabéns! E isso é só o começo! A sua comida é a melhor do mundo! — Beijei as suas bochechas e ela riu. — Eu estou muito feliz! Muito!

— Lê o artigo, filha! — Enxugou as lágrimas que já caíam por suas bochechas. — E lê em voz alta porque quero acreditar no que vi.

E ao avançar a leitura pelas tantas linhas, finalmente tivemos a confirmação de que Ravel Chapelle elogiou e recomendou o restaurante para os leitores da sua coluna tão famosa no meio gastronômico. Para não ser tão bonzinho – como, de acordo com a minha mãe, ele dificilmente era –, o francês apontou alguns problemas na iluminação externa e na do corredor que dava acesso ao banheiro. Nada mais. A sua especialidade era comida e esse foi o quesito que recheou de elogios para a minha mãe. Nós duas nos abraçamos mais uma vez e, emocionada, ela decidiu fazer uma grande comemoração com os seus funcionários já nos próximos minutos. Então, simplesmente pegou a sua bolsa e partiu para o estabelecimento no intuito de festejar em grupo. Eu optei por ficar em casa na companhia dos meus animais e também aproveitar a calmaria para enviar alguns e-mails para os locais que estivessem em busca de alguém na minha área.

— E vamos lá procurar um emprego... — Suspirei com pesar, tendo a esperança drasticamente reduzida depois de passar por tantas tentativas frustradas.

É claro que a minha intenção de ficar ali sozinha também estava relacionada a outra razão importante: tristeza de ter que aceitar a ausência de Jimin. Estamos há três semanas em países diferentes e ele falou comigo apenas três vezes, uma em cada semana e basicamente para conversar sobre Dionísio e Royce. Eu já havia entendido o seu recado. Park queria respeitar a minha decisão e se preservar, se poupar de qualquer sofrimento. E ele estava certo, tenho que admitir. Confesso que faria o mesmo se estivesse na sua posição. Horas mais tarde, sentindo a melancolia me consumir aos poucos, sentei na minha cama segurando uma caixa que guardava recordações muito valiosas. Liberei um longo e forte suspiro. Passeei as palmas pela tampa e sorri ao lembrar do sorriso daquele coreano tão especial. Royce, que estava deitado ao meu lado, miou e eu ri ao entender aquilo como uma ordem para abrir logo. Ao fazer isso, a minha mente foi inundada por boas memórias e a alegria se fez presente.

Naquele instante, eu mexia em pequenas lembranças que Jimin havia deixado. Os artigos do jogo de basquete e duas fotos nossas que tiramos na primeira vez que fomos jogar sinuca e no dia que conheci o seu lugar preferido na Coreia. A caixa branca estava guardada no ateliê e Romena fez a grande gentileza de colocá-la dentro da mala azul – a única que não devolvi –antes que Kevin a visse. Após alguns minutos observando aquelas recordações e resgatando memórias, tive a infelicidade de pensar no que eu tanto odiava e no que me motivou a desistir de ter qualquer tipo de relação com Jimin: tudo o que estava naquela caixa era lembrança de um período em que acreditei estar na companhia do meu marido. Nesse tempo, acreditei que os artigos foram dados por ele e que aqueles passeios foram propostos por ele, ou seja, todas as lembranças que estavam nas minhas mãos eram uma farsa.

Impostor | Park JiminOnde histórias criam vida. Descubra agora