XIII

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Mesmo completamente desgastado e devastado pelo dia não ter sido nada do que esperava, o sono se negava a aparecer, a noite sendo uma tortura total para comigo. Eu estava deveras preocupado, questionando o que Silver poderia fazer se assistisse o conteúdo sagrado daquele cartão, e o que ele poderia resolver fazer com Sonic enquanto não estivesse ao seu lado para protegê-lo. Por outro lado, eu agradecia por ter, pelo menos, me dado ao trabalho de salvar o vídeo no armazenamento interno de meu notebook, podendo usar isso ao meu favor futuramente.

Mas e se nunca tivesse a oportunidade de usá-lo, por já estar morto?

Meus pensamentos estavam impossíveis naquela madrugada eterna, que, quando finalmente chegou ao fim, levantei correndo, tomando um banho rápido, mesmo estando com uma enorme preguiça. Eu precisava proteger meu namorado enquanto ainda tinha tempo, e mesmo sendo umas seis ou sete horas, já estava vestindo meu moletom vermelho favorito, caminhando alarmado pelas ruas silenciosas de uma manhã como qualquer outra para pessoas normais.

Meus passos eram rápidos, e não tardei em alcançar meu destino: a casa de Sonic. Pela janela, podia notar uma movimentação do lado de dentro, e tratei de bater rapidamente na porta, esquecendo da existência da campainha - esse objeto já me causava dores de cabeça apenas de imaginar seu soar irritante.

Como esperado, o azulado atendeu sorridente, o sorriso aumentando mais quando notou quem estava à sua espera. Ele me convidou para entrar, o que fiz sem hesitar por saber que, uma hora daquelas, Amy provavelmente estava a caminho do trabalho, deixando-o só na casa de endereço conhecido de alguém que estava disposto a fazê-lo mal.

- Sonic... - começo, sabendo que estragaria sua alegria, o decepcionaria e ainda levaria uma enorme bronca. - Precisamos conversar urgentemente. É muito sério.

Compreendendo o tamanho da coisa, assentiu levemente com a cabeça, seu sorriso se fechando. Guiou-me até seu quarto, não sem antes trancar a porta de entrada, como o ordenei. Chegando onde deveria, sentamos os dois em sua cama, meus olhos percorrendo o local em que aconteceu a cena do crime. Eu sabia exatamente como e onde mirar, as manchas de sangue que deveriam existir em certos lugares não estando mais visíveis a olho nu.

Para me dar forças, Sonic tomou minha mão com a sua, tão ansioso quanto eu. Não precisava de mais drama, portanto, fui direto ao ponto:

- Eu sinto muito, mas eu vi o vídeo que tinha dentro do cartão de memória.

Um silêncio tenso se instalou no pequeno cômodo colorido com diversos tons de azul e branco, ambos perdidos em seus próprios temores internos; Sonic me encarava, demonstrando com os olhos tudo que sentia, enquanto eu mirava nossas mãos unidas, temendo serem afastadas abruptamente e perdê-lo para sempre.

Finalmente, depois do que pareceram anos, Sonic suspirou, dizendo simplista:

- A culpa é toda minha.

Volvi os lumes até ele, curioso sobre como ele e Silver chegaram ao ponto de literalmente se assassinarem (pelo menos, um deles querer fazer isso com o outro).

- Me conta tudo, sem me esconder nada. Vou tirar a gente disso, eu prometo! Mas, pra isso, preciso que me diga cada detalhezinho, sem me esconder nada. Acha que consegue?

Pelo tempo de espera, achei que iria negar, afirmar ser impossível usar-me como um psicólogo pessoal, mas, surpreendentemente, faz exatamente o contrário do que imaginei.

- É pesado, pelo menos pra mim. Espero que você aguente.

Ajeitamos a ambos na pequena cama, cada um olhando um ponto diferente do lençol repleto de estampas feitas aleatoriamente. Esperava a coragem de Sonic chegar ansiosamente, suando frio pelo medo do que poderia vir dali.

- Silver sempre fez bullying comigo no orfanato, às escondidas. Bastava você estar longe de nós, que ele usava dessa distância para me rebaixar. Eu era pequeno, não entendia o porquê disso. Com o passar dos anos, os insultos iam piorando; eu queria acreditar que era tudo besteira, uma simples brincadeira, afinal, éramos amigos! Mas, quando eu entrei na dele, demonstrei o quanto não gostava daquilo, ele partiu pra cima de mim. Não foi nada muito visível, só um tapa no rosto e um chute na canela. - Ele riu como se não fosse nada. Eu me recordava brevemente do dia em que Sonic foi visto mancando, mas achei que era uma forma de brincar, já que passou rápido e ele não me dizia o motivo. - Antes de vocês dois irem embora do orfanato, ele me disse uma coisa que... eu fiquei com muito medo, mas jurei não ser verdade, acreditei que ele nunca seria capaz de realmente fazer isso. - Suspirando, deu uma pausa, me deixando no suspense. - Ele me falou: "Eu ainda vou te matar".

Minha garganta se fechou, o coração doendo profundamente. Eu estava tão próximo daquilo e nunca percebi, nunca associei o que ocorria a Sonic com Silver por confiar cegamente em meu melhor amigo, ignorando meu interesse amoroso.

Claro que eu me culpava, estava literalmente na minha frente aquele tempo todo! E, ao mesmo tempo, culpava Silver por ter sido tão lascivo, bruto.

- Eu realmente achei que tinha me livrado disso quando fui embora do orfanato. Quer dizer, não teria como ele me encontrar e fazer o que prometeu. Era o que eu pensava, na verdade. Eu não sei como ele conseguiu achar o endereço da Amy, como me associou a ele ou o quê! Talvez ser policial tenha ajudado nisso, talvez ele estivesse... sei lá, usando da profissão dele pra me espionar! Eu só sei que ele descobriu, e quando eu menos esperava, ele apareceu naquela noite e... fez o que fez. Eu não poderia me deixar ser derrotado tão facilmente, e fiz de tudo pra sobreviver.

Sonic parou de falar, me dando a entender que havia acabado, por ora. Nisso, prossegui com minhas dúvidas.

- Como você conseguiu viver depois daquilo? Quer dizer, ele esfaqueou você perto da cintura!

Ele riu com escárnio, enrolando um espinho nos dedos, nervoso.

- Sabe que sou rápido. Me recuperei, mesmo com dificuldade, e aproveitei o kit de primeiros socorros que tinha no banheiro. Eu não sabia fazer costura direito, então fiz o que pude no ferimento. Por sorte, não pegou nenhum órgão. Ele não é bom em assassinatos, nem sabia usar uma faca com precisão. - Com os olhos tristes, mirou diretamente os meus. - Foi tão difícil limpar tudo com aquela dor insuportável, meu maior medo quando me deitei na cama era não acordar no dia seguinte, dar a ele o gostinho da vitória que tanto queria. Não podia permitir isso, mas não era eu que decidiria se minha hora chegou ao fim.

Sem saber como responder à sua história, envolvi meus braços em torno de seu corpo frágil, acariciando seus espinhos carinhosamente.

- Eu vou te proteger, eu juro - prometo, sentindo-o soluçar em meu ombro, agarrando ferozmente meu casaco.

Eu manteria Sonic seguro, não importa o tempo que precisasse ficar com ele.

Ainda assim, eu temia contar que Silver havia pego o cartão. De alguma forma, tinha medo de sua reação, e a ideia de esconder esse fato me parecia muito boa.

Mas seria mesmo o correto guardar algo tão importante quanto aquilo?

Os Mil e Um Você (Volume 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora