XXIV

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Eu sabia que, nos últimos dias, minha cabeça andava focada demais em coisas que estavam "fora de meu alcance". Por conta disto, acabei por deixar Sonic, meu namorado de verdade, de lado, e admitia isso. Sim, meu coração batia enlouquecidamente tanto por ele quanto por Silver, mas era mesmo o certo me distanciar de um para dar mais atenção a outrem?

Não.

Por este mesmo motivo, parei tudo que fazia para ter somente um objetivo em mente: dar mais atenção a Sonic.

Com isso, passei a tarde em meio a livros, computadores e pesquisas longas, que ensinavam e demonstravam o que fazer em situações como aquela; estava disposto a ajudar Sonic com seu trauma e livrá-lo do TDI.

Tudo que via afirmava que o TDI, por não ser algo tão comum em pessoas, não era fácil, mas também não impossível, de se resolver. Dizia-se que não havia uma cura, mas sim um tratamento que, com o passar do tempo, faria o trauma ir desaparecendo pouco a pouco, talvez chegando a um fim.

Por mais complicado que fosse, eu iria dar um jeito de salvar meu namorado.

Nem me apercebi do horário em que adormeci, despencando sobre livros e páginas do navegador abertos. A única coisa que me acordou, logo cedo pela manhã, foi a campainha tocando com aquele som terrível, levando-me de volta ao pensamento de que deveria trocá-la o mais rápido possível.

Fechando tudo às pressas, corri para pelo menos ajeitar os espinhos e lavar o rosto sonolento, correndo até a porta de entrada. Para minha enorme surpresa, o ciumento de meu namorado estava ali, a expressão perdida no horizonte, viajante.

O som que fiz ao abrir a porta foi o suficiente para libertá-lo de seus devaneios, aquele olhar calmo me atingindo em cheio às oito e meia da manhã. Meu coração deu saltos tão fortes e altos que temi serem audíveis até ao ouriço em minha frente, que esperou pacientemente ser convidado a entrar, ao invés de invadir minha propriedade, como muitos fazem - ou tomam a liberdade de fazer.

- Sonic... - Instantaneamente, minha fala foi cortada por ele, que, assim que já estava dentro da residência, virou-se para mim com preocupação estampada no rosto.

- Não, eu primeiro. - Compreendendo, guiei-o até a sala de estar, sentando de frente para ele no sofá, onde podia avaliar todos seus movimentos. - Eu sei que eu fui um idiota completo agindo daquele jeito com você. Eu só... fiquei com ciúmes. - Claramente, ele estava desconfortável em dizer tais confissões, mas isso não o abalou, pois continuou sua fala, a voz baixa e leve, carregada de culpa. - É óbvio que você se preocupa com o Silver. Quer dizer, vocês se conhecem há anos, são amigos há anos, compartilharam muitas coisas juntos durante todo aquele tempo que eu não estive aqui. Afinal, quem era Sonic quando havia um Silver tão amoroso por perto? - A risada que escapou por entre seus lábios foi fria, cortante como uma faca, tanto para ele quanto para mim. Nervoso, ele passou uma mão em seus espinhos, os olhos presos à parede, afastados de minha face. - Acho que, na verdade, eu só estava com ciúmes porque eu queria ser ele. - Finalmente, seus olhos pousaram em mim, repletos de tristeza. - Engraçado, não é? Ele queria ser eu, e eu queria ser ele. Ele me odiava porque queria ter o que eu tinha: você. E então, quando fiquei para trás após ambos irem embora, eu o odiei porque, dessa vez, quem tinha você era ele. Eu não vou mais mentir ou omitir nada de você. - Ele respira fundo, fechando seus olhos e os mantendo assim enquanto pronunciava com cautela: - Eu fui atrás dele na prisão para conversarmos sobre você. Fizemos um pacto juntos. Está tudo bem se você escolher ele, está tudo bem se você me escolher e está tudo bem se você escolher a nós dois.

Senti meu peito apertar com suas palavras, a voz se negando a deixar minha garganta. Estava confuso, nervoso e ansioso ao mesmo tempo, as mãos e pernas tremendo diante de suas confissões. Nunca esperei que eles fossem se ver ou conversar normalmente mais uma vez, e isso aconteceu, tudo por minha causa. Se era uma coisa boa ou não, eu já não tinha como saber, mas, de certa forma, estava contente por tal feito.

Por longos minutos, ficamos em silêncio, nos olhando profunda e significativamente. Quando minha voz finalmente resolveu sair, perguntei-lhe, as palavras saindo tremidas:

- O que você quer dizer com "escolher a nós dois"?

Ele sorriu, uma ação inesperada. Exalando confiança, apesar de ser um tópico sensível, respondeu:

- É óbvio que seu coração bate acelerado por nós dois. É evidente. Mas essa escolha é somente sua, não podemos e nem vamos influenciar em nada disso.

Minha garganta estava seca, necessitando de água urgentemente. Sonic percebia meu estado nervoso, resolvendo esperar me recompor.

- V-Você está pedindo um tempo?

Ele deu de ombros, sendo essa sua única resposta. Doía muito ver aquilo, ouvir aquilo, ao mesmo tempo que me dava um enorme alívio.

Tremia tanto, suava tanto, arfava tanto, que imaginava que a qualquer instante iria desmaiar. Sonic, ágil como sempre, correu até a cozinha e retornou trazendo um copo d'água, que bebi em segundos. Isso ajudou-me a voltar a mim, sentindo-me um pouco melhor.

- Ainda assim, eu quero te ajudar - afirmo, mirando o fundo de suas íris de esmeralda que atraíam-me tanto.

- Me ajudar? - Sentou-se ao meu lado, pegando minha mão e a apertando, sabendo que isso ajudaria a me acalmar mais.

- Eu tô um pouco tímido de dizer isso, mas... - Evito seu olhar, mirando nossas mãos unidas e absorvendo o calor que seu toque me proporcionava. - Eu ando pesquisando bastante sobre o seu TDI e formas de melhorar isso. Achei o contato de um bom psicólogo que ajuda, e queria marcar uma consulta pra você. Se você se sentir confortável, eu levo você lá, e se gostar dos resultados, continuo te levando até o momento que quiser parar.

O medo me deixava tenso, pensando o que deveria estar passando por sua cabeça no momento. Ele poderia estar me odiando, achando que sou um idiota por me esforçar tanto por algo que diz não haver cura, tendo esperanças demais.

Ao invés disso, apertou mais minha mão, puxando minha cabeça em sua direção, revelando um enorme sorriso em seu rosto.

- Eu adoraria! Isso seria incrível, Shadow. Fico tocado que você queira me ajudar!

Alívio toma conta de mim, soltando a respiração que nem percebi estar prendendo. Tirando o telefone do bolso, adentrei o site que tinha o número do psicólogo, clicando nele. A única coisa que precisava agora era apertar o botão verde de iniciar uma ligação, mas, para isso, queria uma confirmação de Sonic.

Com expectativa, esperei-o dizer algo, animado quando recebo um manear de cabeça positivo. Respirando fundo e pigarreando para engrossar a voz, esperei ser atendido, deixando a chamada no viva-voz.

- Bom dia! Centro clínico Hosties, como posso ajudar? - pronuncia a voz abafada do outro lado da linha, atenta à uma resposta.

- Bom dia - respondo, raciocinando rápido o que dizer a seguir. - Desejo marcar uma consulta no psicólogo. Poderia me dizer se tens horário livre para amanhã?

Por um tempo, ouvi somente um remexer de papéis, e logo a voz voltou a falar.

- Sim! Temos horário livre para às 14h! Para quem seria a consulta?

- Sonic The Hedgehog - digo calmamente, sorrindo fofo na direção do citado.

- Certo! Obrigado pela preferência! Até breve!

- Eu que agradeço. Até breve.

Desligando, Sonic e eu nos encaramos por um tempo, até cairmos em uma gargalhada alta de animação pelo que estava por vir. Nesse ínterim, acabamos por trocar um demorado beijo, o azulado enrubecendo de vergonha pelo ocorrido.

- Desculpa - balbucia, se distanciando de mim no sofá apertado. Como resposta, deixei a hesitação de lado e o puxei de volta para onde estava, seu corpo caindo sobre o meu. Não foram precisas palavras, pois um simples olhar disse muito. Mais uma vez, estávamos ao beijos, ansiando um pelo outro, desejosos de mais contato.

Sabíamos que era errado, mas nada nos impedia de cessar. Meu ser inteiro queria tê-lo, assim como da primeira vez que o vi, que o toquei e que trocamos um simples "oi".

Quanto menos roupas tínhamos, mais meu coração se dividia. Eu sabia que aquilo tiraria toda minha sanidade e me faria duvidar novamente dos meus sentimentos reais, mas o que eu poderia fazer? Neste momento, nem Silver aparecia em minha mente, apenas Sonic e eu, juntos.

E, em meio à luxúria que sentíamos um pelo outro, naquela manhã, finalmente nos unimos e nos tornamos um só.

Os Mil e Um Você (Volume 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora