Before you go | Wenclair

10. apenas saiba.

"Antes que você vá... apenas saiba."
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Aviso: esse capítulo aborda assuntos sensíveis. (Caso queiram, ouçam a música "Falling Apart" para ler. Disponível na playlist, o link está na biografia).
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"Acho que quero ouvir a história da cicatriz, Wednesday."

Aquela frase havia feito com que eu caísse de volta a realidade. De volta a algo que eu tentava esquecer. A memória dolorosa se fazia presente em minha mente todos os dias, como um maldito pesadelo. Que se repetia de novo e de novo, sem que eu pudesse evitar. Era o meu pequeno inferno.

Trago os joelhos para perto de meu corpo e rodeio os braços sobre eles, começando a sentir mais frio do que o comum. Eu solto o ar e fecho os olhos por alguns segundos, depois olhando para a garota ao meu lado. Enid assentiu com a cabeça lentamente, enquanto me mostrava um sorriso acolhedor.

- como eu disse, é só se sentir confortável pra contar. Jamais irei te pressionar pra me dizer algo que é claramente difícil pra você. No seu tempo, Addams. - ela disse baixinho, mais uma vez fazendo parecer que compartilhavámos um segredo que ninguém pudesse ouvir, mesmo que não houvesse ninguém ali.

Eu solto um suspiro e desvio o olhar para imensidão azul a nossa frente, prestando atenção nas ondas, que agora faziam um barulho sufocante e não mais terapêutico. De repente tudo parecia cinza demais, parecia sem vida. A lembrança retorna e eu fecho os olhos com força, sentindo o peito apertar de uma maneira em que já conhecia.

Não era como se eu já não tivesse feito aquilo antes. Precisei contar para os policiais, diante do julgamento, para a família, para a psicóloga. Todos porque era realmente necessário, pois se pudesse jamais reviveria qualquer memória daquele dia. Era no mínimo agoniante e devastador.

Mas, eu me sentia bem em conversar com Enid. Confiava nela o suficiente, sabia que ela conseguia fazer com que as coisas ficassem mais fáceis. Eu sentia que podia contar com sua companhia e com suas palavras. Enid seria a primeira que contaria sobre o que aconteceu, por vontade própria. Não estava sendo pressionada e sim, acolhida e ouvida.

- para falar sobre ela terei que lhe contar a história completa. - disse num fio de voz. Consigo vê-la assentir.

- tudo bem. Estou ouvindo. Como disse antes, no seu tempo. - sua voz passava tanta tranquilidade e conforto que eu podia sentir.

Apertei os braços em volta dos joelhos e respirei fundo, me preparando de alguma forma para o que diria a seguir. Talvez aquilo fosse a coisa mais difícil que contaria, não importava quantas vezes dissesse em voz alta. Eu apenas deixei que minhas lembranças fossem de forma dolorosa para o passado, para as memórias. Um passado que desejava nunca ter existido e lembranças que desejava nunca serem relembradas.

- meus pais e eu estávamos voltando de um jantar na casa de um dos sócios do meu pai. Não havia acontecido nada de incomum naquele dia, na verdade, tudo foi mais do que comum. Nunca gostei desses jantares porque eu me sentia muito perdida, só estavam presentes pessoas mais velhas, poucas eram as vezes que algum filho adolescente aparecia. Papai gostava de me levar, para poder mostrar para todos a filha protegida que ele tinha tanto orgulho. Nesse dia estava chateada por algum motivo bobo que sequer me lembro hoje, acabou que não fiquei contente com a ideia de ir para mais um jantar que não tinha nenhuma importância para mim. Passei aquela noite inteira chateada e com raiva dos meus pais. Papai acabou percebendo a minha insatisfação, e, quando entramos no carro... - pausei, sentindo meu peito apertar três mais do que antes.