Capítulo XIV

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Don Sloan


Clara

Ainda estamos hesitantes em abrir a porta. O Ryan tem uma ferida com cerca de vinte centímetros, tornozelo. Ele não tinha sentido até eu reparar nas calças rasgadas e escuras com sangue. Eu envolvi-lhe a zona com as toalhas de cara mais limpas que encontrei no armário da casa de banho, á frente do lavatório, e a hemorragia já parou. Ele nega que sente dor, e isso irrita-me. 

Eles ainda estão de costas para a porta. Eu encaro o chão, á frente deles, também sentada com as pernas cruzadas no chão de mosaico encardido. O silêncio é tanto que posso ouvir as palpitações do meu coração nos ouvidos. Já passou, o que eu penso que tenha sido, uma hora. O cão já parou de arranhar a porta e tudo ficou em silêncio de repente. A casa de banho vai ficando mais pequena e mais fria á medida que as nuvens negras tapam gradualmente o sol e a chuva fina começa a cair. Uma brisa com cheiro da terra molhada entra pela janela minúscula em cima da banheira.

- Não voltes a fazer isto. - Ryan quebra o silêncio e quando levantei a cabeça, reparo que ele está a falar comigo. A sua voz está séria e grave. - O que te deu para saíres da casa de banho? 

- O que mais querias que eu fizesse? Ver-te a ser morto? - Questiono, confusa. 

- Queria que não te metesses em perigo por minha causa! - Responde. 

- Está bem crianças, a conversa acabou. Estamos bem, é o mais importante. Bem, menos o Ryan. - Afirma Amber. - Tens a certeza que não podemos te amputar a perna? 

- Sim Amb, tenho a certeza que não há necessidade de me arrancarem a perna só para teu divertimento. - Ele responde virando os olhos para longe de mim. 

- A Amber tem razão. - Brandon conclui. - Querem mesmo discutir aqui?

- Eu vou abrir. - Ryan quebra o silêncio e levanta-se decidido. Ele contrai os lábios com dor, mas recompõe-se. - Afastem-se um pouco. - Ele pousa a mão na maçaneta e vira-a com receio. Nós damos-lhe espaço para abrir a porta.

- Já está mais que na hora do cão em esteroides cair no sono. Não quero ficar aqui quando ficar de noite. - Comenta Amber.

O seu corpo esbranquiçado estende-se á frente da entrada da casa de banho, sem respirar. Do seu focinho, ainda saía espuma amarelada. O cheiro da sala era a mistura do cheiro a cão molhada e água com lodo. Eu olhei de imediato para outro canto.  A overdose de Diazepam relaxou-lhe os músculos cardíacos, forçando-os a parar. Levo a mão á boca, com uma vontade gigantesca de chorar. Eles vêm-no também e não ficam indiferentes. É uma imagem dura para todos.

- Ou era ele, ou eramos nós. - Diz Brandon enquanto afasta-me do corpo. Naquela altura já estava a começar a chorar. Ele leva-me para o quarto do Mike, mas antes vira-se para eles. - Ryan, podes levá-lo para fora e ficar de vigia? E Amber, vais á procura de mantimentos na cozinha? Tudo o que seja comestível é essencial.

Eles assentem e saem da sala. O plano de antes era apenas procurar ajuda, agora estamos a vasculhar na cabana do homem que me tentou matar e que não temos a certeza se ainda está vivo. Tudo o que aconteceu parece surreal. É impossível ficar indiferente ao estar aqui. Todo o meu corpo treme e a minha cabeça não para de passar imagens da cara dele, do cão e do rio. 

Como continuamos sem veiculo, o próximo plano é recolher tudo o que podemos usar para comer e nos defender por mais uns dias. 

Ao entrar no quarto, reparámos que em vez de uma cama, estavam na verdade duas.  Nenhuma das duas estava feita, tendo ambas os cobertores dispersos e os lençóis de baixo amarrotados, como se alguém tivesse acabado de acordar. 

A Cabana das Janelas VermelhasOnde histórias criam vida. Descubra agora