𝙲𝚊𝚙𝚒𝚝𝚞𝚕𝚘 𝚅𝙸

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O Guarda


Clara

30 de Junho de 2006, SermonWest

Acordo mais um dia a ser agredida pela Amber enquanto dorme. Estes últimos quatro ou cinco dias ela tem estado muito pior — agora até murros dá! A dona deve achar que está num apocalipse morto-vivo. Se ela bate com tanta força a dormir, nem quero imaginar o que fazia a alguém que a provocasse, ou a um morto-vivo infortunado.

Bom, já que comecei o dia mais cedo, decidi que vou fazer algo. Decido ir pintar no alpendre com os meus velhos calções e um t-shirt larga. Como não tinha muito espaço na mala, trouxe só uns quantos pincéis, telas finas e algumas tintas de amostra, prontas para estrear.

Já com a caneca de café indispensável em mãos, sento-me numa cadeira velha no alpendre, á sombra. Está uma leve brisa super cheirosa e o sol já está forte a esta hora. Tudo o que se ouve é o rio, que flui com a corrente fraca, ao lado. Um par de libelinhas dança à volta da tela enquanto a ajeito no cavalete minúsculo.

Pouco depois de organizar as cores, ouço o ranger das escadas lá dentro. Brandon sai pela porta só de calções de banho.

— Bom dia, Clarinha. Ah! A vida do campo, não é boa? O cheiro das flores, os animais... — Enuncia com satisfação.

— Tenho alergia ao pólen Brandon. E animais... já viste algum desde que aqui chegámos?

— Devem haver, claro, mas a verdade é que não, não vi. Fora insetos. Tenho o corpo todo picado. Mas é só o sétimo dia que estamos aqui. No décimo dia já vemos um urso na janela da sala, não te preocupes.

— Odeio o teu bom humor de manhã. — Resmungo com um sorriso que ele contagia com aquela cara idiota.

— Tu amas-me Clara Morris. Com todo o teu ser. — Ele abraça-me por trás da cadeira e balança-me para os lados.

Bufo, mas agarro o braço dele com uma das mãos. Com a outra mão, passo pela tela medindo, com linhas imaginárias, o próximo projeto.

— Por que não vais à margem um pouco? — Pergunta-me ele.

— Pintar ajuda-me a relaxar.

— Precisas de estar mais relaxada que isto. Isto aqui é... é paz, sabes?

— Eu vejo-te a morar numa cabaninha feita toda à mão no meio do mato daqui a uns tempos, como um eremita. — Rio.

— Sem dúvida! Quanto mais tempo passo fora de Boston, mais tenho vontade de não voltar.

— Oh, Brandon, eu preciso de ti lá. — Encosto a cabeça no braço dele, onde se apoia nas costas da cadeira.

— Eu estou sempre aqui, para cuidar de vocês, três cabeças no ar. E vocês os dois são os que me dão mais trabalho.

Eu olho para Brandon confusa e ele devolve-me um olhar acusador.

— Deves achar que estou a dormir este tempo todo. — Diz-me.

Viro-me para a frente e encaro a tela branca, sem vida, em contraste com a visão das árvores coloridas e do rio cintilante. Odeio admitir, mas o Brandon tem, mais uma vez, razão. Então levanto-me e puxo-lhe a mão até à margem, onde ficamos a apanhar sol, em completo silêncio, só a apreciar a vista. O peso nos ombros dissipa-se lentamente, com a nuvem na minha cabeça. Este ambiente purifica o corpo.

— Eu devia ir fazer ca- - Uns passos atrás das rochas interrompem-no.

Ambos olhamos para a Amber, que caminha até nós, com duas chávenas de café e com uma certa preocupação. Está estampado na cara — ela agarra os lábios com os dentes e dá pequenas mordidas, como faz quando está nervosa. Os cabelos continuam embaralhados e os olhos ligeiramente vermelhos.

A Cabana das Janelas VermelhasOnde histórias criam vida. Descubra agora