Capítulo XXXVI

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A Verdade

2 de Novembro de 2007, Boston

Passei a noite em branco, como era de se esperar depois da discussão de ontem. Para piorar, também não ajudou ter de compartilhar o sofá com Amber, que chutou-me os pés a noite toda. Ainda não ouvi a Clara a sair do quarto, por isso presumo que ainda não tenha acordado. Vou até ao nosso quarto mas ela não está lá. Dirijo-me ao nosso quarto, mas ela não está lá. De repente, ouço um som metálico vindo do quarto ao lado, o seu estúdio. Decido abrir a porta e me deparo com Clara no chão, sob uma poça de tinta amarela que se formou após derrubar uma lata. Ela levanta o rosto para me olhar, mas rapidamente desvia o olhar em silêncio.

- Bom dia. - Observo os quadros inacabados sobre os cavaletes. Cada um deles apresenta pinturas com cores neutras e sombrias, formando formas indefinidas. Era incomum vê-la pintar quadros tão tristes, já que o seu estilo costumava ser marcado por retratos e paisagens vibrantes, repletos de cores vivas e detalhes especiais, como casas rústicas e animais. - Passaste a noite toda a pintar? - Com seu silêncio como resposta, aproximo-me de um dos quadros, marcado por pinceladas brutas de tinta preta e cinza sobrepostas, como se a tinta tivesse sido atirada sobre o quadro num movimento rápido. Observo-a no chão, esfregando a mancha teimosa na carpete, com um pano velho. - Clara, não espero que me perdoes por ter mentido, e peço desculpas se tive que fazê-lo, mas por favor, tenta compreender as minhas intenções por trás disso.

- Intenções? - Ela levanta-se com os nós dos dedos brancos devido à força com que agarra o pano na mão. - Por muito que me aches egoísta, eu preocupo-me com aquelas pessoas. O facto de me teres retratado como uma pessoa insensível é... impensável. Todas as noites, eu sonho com os rostos assustados dos aldeões e a morte da Agnes! Por isso, Ryan, não faças entender que me esqueci deles. Se tivesses, desde o início, partilhado a verdade comigo, poderíamos ter chegado a um acordo.

- Um acordo?

- Sobre o revólver em casa, sobre recolher informações... Eu teria aceitado. Sou extremamente a favor de ter uma arma em casa, depois do que aconteceu com a Jess. Quero um desfecho desta história de uma vez por todas. Mas tens de entender que não é fácil para mim. Por momentos, eu achei... que não voltaria a ver-te vivo mais um dia. Não podes me chamar egoísta por não querer passar por isso outra vez.

Eu aproximo-me dela devagar, deixando-a desabafar tudo, antes de a poder abraçar. Ela aceita o meu abraço, porém não retribui já.

- Eu não quero mentiras entre nós. - Diz, junto ao meu peito, e eu encosto os lábios no topo da sua cabeça, inalando o seu cheiro.

- Desculpa, Clara. - Digo quase sussurrando, e ela finalmente envolve os braços á minha volta.

- Quero que o digas.

- Dizer o quê?

- Que não me voltas a esconder nada. 

- Não volto a esconder nada de ti.

- Nem mentir. - Beijo-lhe a bochecha corada e olho-lhe diretamente nos olhos âmbar, que brilham com a luz do sol. - Eu te amo. Vai acordar a Amber, eu trato da mancha na carpete. - Ela sorri, pendura o avental e sai pela porta.

Mais tarde, um pouco antes da hora do almoço, apanhamos o comboio e o autocarro até à casa do Brandon, localizada nos subúrbios. Esta área é notavelmente mais verde e tranquila do que o centro da cidade onde vivemos. Aqui, não existem prédios nem armazéns comerciais, apenas uma paisagem de vivendas e mansões. A propriedade de Brandon se destaca, mais acima da serra, cercada por uma floresta de árvores cujas folhas adotam tons de laranja e amarelo, nesta altura do ano. De longe, já conseguíamos avistar o imenso portão frontal, formado por grades robustas e adornado com um elegante tom dourado, destacando-se em contraste com o muro que rodeia o terreno, feito de tijolos brancos. As paredes exteriores da mansão são brancas e refletem de uma forma maravilhosa com a luz. As varandas espaçosas, na lateral, oferecem uma vista única sobre o jardim bem cuidado e da paisagem natural, do outro lado do muro.

A Cabana das Janelas VermelhasOnde histórias criam vida. Descubra agora