Capítulo 3

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Passou despercebido a Nunew o motivo da preocupação dele.

— Um pouco mais. São duas horas de estrada, duas horas e meia com mau tempo. Talvez o senhor não tenha tempo hoje. Podemos marcar para outro dia, se preferir.

— Eu tenho todo o tempo do mundo, Sr. Chawarin.

— Perfeito, Sr. Pruk. Vou buscar minha pasta e o meu casaco. Com licença.

Zee Pruk trocou algumas palavras em voz baixa com Max e despediu-se.

Encontrou Nunew saindo da sala dele.

Apesar da evidente contrariedade por estar tratando com uma corretora, Pruk ajudou-o a vestir o casaco e abriu-lhe a porta.

Nunew se irritou.. Aqueles gestos condescendentes eram politicamente incorretos nos dias atuais. Qualquer pessoa em seu estado normal era capaz de vestir o próprio casaco e abrir as portas para si mesmo. Ou Zee ainda vivia na Idade da pedra ou estava sendo deliberadamente irritante. Nunew desconfiava da segunda alternativa. Com passos firmes e as chaves do carro na mão, Nunew caminhou em direção à sua vaga no estacionamento.

— Vamos com o meu carro —Zee Pruk disse em um tom autoritário.

Nunew não se intimidou e continuou andando.

—Faz parte do meu trabalho providenciar o transporte do cliente, Sr. Pruk.

— Vamos com o meu carro — ele repetiu ainda com mais veemência.

Nunew olhou de relance para o Dodge com tração nas quatro rodas e respirou fundo.

— O Mercedes é mais confortável para essa pequena viagem — afirmou ele, encarando-o com ar de desafio.

— O Dodge é mais adequado para terrenos acidentados e, principalmente, nestas condições climáticas.

Nunew Chawarin sorriu para o Sr. Pruk, um sorriso confiante e seguro. Ele encolheu os ombros, desdenhoso.

— Não confia em mim ao volante, Sr. Pruk? — perguntou ele.

Ele deu de ombros novamente e respondeu:

— Não tenho nada contra, mas não gosto de ser conduzido por outro homem,a não ser que os meus dois braços estejam quebrados.

Nunew apertou os lábios para conter as palavras afiadas que ameaçavam escapar. Ele não podia permitir que suas emoções atrapalhassem a venda da propriedade. Pruk a contemplou com um olhar significativo.

— O que aconteceu com aquele conceito de que o cliente tem sempre razão, Sr Charawin?— ele disse.

Nunew sabia que para realizar aquela venda, precisava fazer tudo do jeito dele. Então, resignado, aproximou-se do Dodge, um veículo imponente preto que parecia custar mais do que todas as minhas economias juntas.

— Como quiser, Sr. Pruk  —, ele disse, entrando no carro.

Mas logo que se sentou, Nunew notou algo no banco traseiro: um rifle protegido por uma capa. Pruk era um caçador. Ele se sentiu cada vez mais desconfortável na presença dele e cruzou os braços.

Pruk ligou o carro e saiu do estacionamento da imobiliária. Em silêncio, ele atravessou a cidade em direção à estrada que levava ao lago. Ele dirigia agressivamente, sem exceder a velocidade permitida, mas ninguém o ultrapassava. Antes de saírem dos limites da cidade, começou a nevar. A paisagem branca parecia mágica, mas a tensão dentro do carro era palpável. Nunew se perguntou como seria o resto daquela viagem e se arrependeu de ter entrado no carro.

— Pois bem, fale comigo. Fale-me de você. — ele sugeriu em um tom complacente, quebrando o silêncio.

Sou um homem que odeia qualquer tipo de homem que se acha machão, teve vontade de dizer, mas lembrando-se dos seis por cento que poderia receber de comissão, ele decidiu responder com cortesia:

— Meu nome é Nunew Chawarin. Sou filho de um aposentado da força aérea e originalmente sou de Tailândia, Bangkok, mas por causa do trabalho do meu pai nos mudamos bastante, até meus pais pesquisarem cidades boas para alfabetizarem seus filhos e viemos morar aqui.

— Eu também vim da Tailândia há alguns anos. Toda minha família é de lá, mas somos de uma província do norte, Chiang Rai.

— Sei. — Nunew reprimiu um sorriso.

Sobrenome Pruk. Província do norte tailandês, o que mais esperar dele?

— Por que você foi trabalhar em uma imobiliária? — Pruk inquiriu.

— Foi uma escolha muito bem pensada. É um campo de trabalho difícil para um homem assumidamente gay e eu não queria passar anos lecionando em uma escola qualquer depois de me formar na faculdade. Sempre quis mais, porém acredito que a vida de professor não iria resultar nisso. — Ele lhe lançou um olhar rápido. — Não estou falando que não consigo, apenas que eu poderia conseguir mais.

Pruk ergueu as sobrancelhas, intrigado.

— Se formou em que? Literatura inglesa?

Ele realmente acha que eu seria tão básico a esse ponto? Nunew pensou.

— Ou é algum curso referente a sua origem?

— Digamos que sim. — Nunew curvou os lábios em um sorriso oculto. — Sou formado em Literatura Chinesa Contemporânea e Antiguidade Clássica, dupla graduação. Poderia tentar um mestrado e depois doutorado e dar aula em alguma universidade, porém isso seria anos da minha vida que não me dariam um retorno imediato que preciso. Além de que, ser corretor me dá uma estabilidade econômica que nenhum trabalho como professor me daria.

— É gratificante ver alguém que se formou nesse tipo de curso. Quase nunca vemos graduados nesse tipo de literatura ou história... Afinal, não é uma área tão procurada, porque como você disse, não dá retorno nenhum economicamente.

Nunew sentiu sua boca puxar de leve em um sorriso, mesmo que ele tenha acabado de proferir essas palavras, sentir elas vindo da boca de um homem que parece que saiu das cavernas, lhe dava uma vontade imensa de responder de um modo bem mal educado incluindo até alguns palavrões.

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